Eutanásia (1)

ADOLFO MESQUITA NUNES        JORNAL DE NEGÓCIOS       09.05.2018

O debate sobre a eutanásia confronta-nos com o medo de morrer em sofrimento. Mesmo os que intuitivamente desconfiam da eutanásia se perguntam: e se me acontecer a mim?

Essa é grande questão com que nos confrontamos quando discutimos a eutanásia: é legítimo sujeitar alguém, contra sua vontade, a um sofrimento prolongado, intolerável, à beira da morte? Como aliviar ou eliminar esse sofrimento?

É para mim evidente que, salvo casos de saúde pública, ninguém pode ser sujeito a tratamentos que não pretende, estar ligado a máquinas que não quer, ser obrigado a cumprir com desígnios que outros definem. E afasto-me dos que acham que temos de levar a vida estoicamente, se necessário com sofrimento.

Sou a favor de alterações legislativas que efetivem, de uma vez, o direito a recusar tratamentos fúteis, obstinados, que causam sofrimento e o consequente direito a cuidados paliativos e a conforto terapêutico no fim de vida (nos cuidados paliativos do Centro Hospitalar Cova da Beira pude testemunhar, e por isso lhes estarei grato, como estes cuidados em nada constituem uma antecâmara da morte: dignidade e respeito, eliminando o sofrimento físico em fim de vida, foi o que vi).

Mas isto não responde totalmente ao problema do sofrimento, porque há sempre um sofrimento psicológico que esses cuidados nem sempre mitigam. O que dizer desse sofrimento? Como lhe dar resposta?

Se a eutanásia fosse uma alternativa comum, sem dilema ético, o assunto estava para mim encerrado.

Sucede que a eutanásia é morte a pedido, é derradeira, por mais restritiva que possa ser a sua admissão: há sempre uma morte antecipada, irreversível, sem espaço para arrependimento; há sempre a possibilidade de erro, de matar alguém que afinal estava condicionado, influenciado; há sempre a possibilidade de uma regulação bem intencionada mas mal aplicada, como se vê na Holanda, onde já se matam adolescentes ou se matam pessoas a anos do seu fim de vida; há sempre espaço para más práticas, num país em que até há psicólogos que afirmam tratar a homossexualidade.

Tudo isso seria contornável se a eutanásia fosse reversível, mas não é. E, não sendo, é preciso ter muitas cautelas antes de nos pormos a legislar, por muito que o princípio nos possa parecer aceitável.

O parlamento vai legislar sobre a eutanásia no dia 29. Fez-se o debate devido numa questão desta dimensão? Há uma reflexão social profunda sobre esta matéria? Estão as principais dúvidas sanadas e as principais questões acauteladas?

Eu, que me considero pessoa informada, que tenho acompanhado os votos da esquerda em matérias chamadas de fraturantes, tenho dúvidas sobre a matéria e tenho dúvidas que a mesma esteja a ser discutida com a profundidade devida no parlamento. Não sou o único a ter dúvidas: o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, a Ordem dos Enfermeiros, os 6 Bastonários vivos da Ordem dos Médicos, todos alertam para os riscos da regulação que se pretende aprovar no dia 29.

Se fosse mera questão de liberdade individual não me incomodaria. Mas não é, como escreverei na próxima semana: trata-se de regular um sistema estadual, um procedimento público, a partir do qual se vai antecipar a morte de pessoas, com todos os problemas que isso levanta (basta ver o que se passa noutros países), e que vai muito além da liberdade.

Não coloco em causa a legitimidade formal do parlamento. Trata-se da dimensão, da absoluta dimensão, do tema, que não se presta a decisões apressadas, nem sequer apresentadas em programas eleitorais, e onde há ainda tantas dúvidas. Impressiono-me aliás com as certezas absolutas com que esta matéria é discutida politicamente, e que não têm paralelo na sociedade, onde há mais dúvidas do que certezas.

Bastaria isto, nem sendo necessário argumentar o que escreverei na próxima semana sobre liberdade, para, no dia 29, estar ao lado do meu partido nesta matéria.

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