Uma rosa-dos-ventos para a Escola Pública

JOSÉ EDUARDO LEMOS 
Público 23/09/2016

A Escola Pública ou tem um rumo bem definido e é capaz de prestar um serviço educativo cuja qualidade atraia os cidadãos, ou definhará como serviço público.

A recente discussão em torno dos contratos de associação com escolas privadas extravasou o campo da Educação e, rapidamente, se retomou a velha, mas sempre renovada, polémica política e ideológica sobre o papel do Estado na sociedade. A discussão radicalizou-se tanto que, qualquer opinião sobre a “Escola Pública”, correrá o risco de ser capturada por um dos extremos em conflito e utilizada a favor ou contra as respetivas teses. Tentarei escapar à atração destes “campos gravitacionais” opostos.
A educação escolar é um serviço público assegurado pelo Estado a todos os cidadãos em idade escolar. O Estado tem vindo a garantir este serviço sobretudo, ainda que não exclusivamente, através dos estabelecimentos públicos de ensino. É neste contexto que se utiliza, frequentemente, a expressão “Escola Pública”. Defender a Escola Pública tem sido entendido, pois, como defender as escolas do Estado e o serviço de educação por estas fornecido aos cidadãos.
Neste texto, também tentarei defender a “Escola Pública”, não tanto através de gastos slogans, mas sim através de algumas ideias simples, bem compreendidas pela população, sobretudo por quem tem filhos nas Escolas.

A primeira ideia é esta: a missão da Escola pública, hoje, não é tanto a de garantir que todos os jovens em idade escolar a frequentem, mas sim a de garantir, logo à partida, uma educação escolar de qualidade a todos os que a procuram ou a ela recorrem. Esta diferença é crucial: não se espera que todos os jovens frequentem estabelecimentos públicos de ensino, antes exige-se que o Estado garanta uma educação de qualidade a todos os que frequentam qualquer um deles.
Daqui decorre, por um lado, que uma Escola pública que não garanta uma educação de qualidade não colherá o respeito nem a confiança da população que serve e, mais cedo que tarde, perderá alunos para outras Escolas, públicas e privadas. Por outro, ao centrarmos a missão da Escola Pública não na quantidade de jovens que serve, mas sim na qualidade da formação/educação que presta, torna-se óbvio que não é encerrando as Escolas privadas que se defende as públicas. Antes pelo contrário, os portugueses darão mais valor e defenderão com mais denodo a Escola Pública quando constatarem que a educação por esta oferecida aos jovens cidadãos é, no mínimo, de tão boa qualidade como a que é oferecida pela Escola Privada.

A segunda ideia é esta: a defesa da Escola Pública passa, incontornavelmente, pela valorização da educação escolar, a qual se constitui como o melhor veículo de ascensão social, o melhor complemento da educação familiar e o melhor e menos oneroso mecanismo de formação e integração de cidadãos plenos e ativos na sociedade.
Valorizar a educação escolar exige dos seus agentes e, especialmente, daqueles que a tutelam, uma Escola Pública de qualidade, na qual os profissionais são respeitados e os alunos são exigentemente avaliados. Uma Escola em que exigência, disciplina, rigor e trabalho são valores estimados pelas famílias, pela comunidade e pelo Estado. Uma Escola onde se ensina o valor da responsabilidade pessoal e se combate a impunidade, onde os alunos se sentem apoiados, em segurança e motivados para o estudo e para a obtenção de bons resultados escolares.

A terceira ideia é esta: defender a Escola Pública é reforçar o seu caráter institucional e a relação de proximidade às populações que serve; é defender e respeitar a sua independência face a quaisquer interesses que não a educação dos jovens; é respeitar os seus órgãos de administração e gestão, escolhidos pela comunidade educativa, reconhecendo-lhes competência e responsabilidade pela definição e execução do projeto educativo e pela gestão dos recursos próprios e/ou colocados à sua disposição.
Daqui decorre que defender a Escola Pública é defender e lutar para que a mesma se liberte do excessivo centralismo que atualmente a tolhe e dificulta a ação educativa. É defender que a Escola Pública deve ter muito mais autonomia do que aquela de que efetivamente dispõe.

A quarta e última ideia é esta: a Escola Pública não se defende com políticas erráticas nem com medidas avulsas, algumas delas promotoras do facilitismo e da mediocridade, outras promotoras de melhorias artificias do sucesso escolar e, tantas outras, que respondem a interesses que nada têm a ver com a melhor educação para os alunos.
Nem se defende com medidas que, favorecendo sem critério conhecido umas Escolas públicas em desfavor de outras, criam condições para uma concorrência desleal entre elas e, em última análise, geram desigualdades no tratamento dos cidadãos. Comparem-se as deploráveis instalações de algumas Escolas com as magníficas construções da Parque Escolar.
Nem se defende nenhuma Escola pública criando a ilusão de que a sua sobrevivência enquanto organização não depende da qualidade do serviço prestado, mas sim da garantia de frequência de um determinado número de alunos, mesmo contra a vontade e a preferência dos pais. Não creio que sejam eficazes medidas que, visando assegurar o funcionamento de qualquer Escola pública, a coloquem sob uma redoma protetora da oferta (e da concorrência) de outras escolas, públicas ou não-públicas.
A Escola Pública ou tem um rumo bem definido e é capaz de prestar um serviço educativo cuja qualidade atraia os cidadãos, ou definhará como serviço público deixando de cumprir o generoso objetivo que justifica a sua existência.
Presidente do Conselho das Escolas

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