A riqueza de Teresa

João César das Neves
DN 20160915

Santa Teresa de Calcutá é uma mulher que faz sonhar a humanidade. A sua canonização pelo Papa Francisco no dia 4 coroou uma vida que há muito inspira todos os que a conheceram. E foram multidões, pois a comunicação social fez da sua figura franzina um ícone mundial da caridade. Naturalmente a cerimónia fez redobrar a atenção sobre a sua vida e obra. Nem sempre se falou do essencial.
É fácil enganar-se acerca de Santa Teresa. Porque o que é importante nela não é o que fez, aquilo que criou ou quem foi. O importante é Jesus Cristo. A única grandeza da pequena Anjezë Gonxhe Bojaxhiu, albanesa nascida em 1910, foi ter-se aberto totalmente a Jesus, sendo fiel toda a vida ao que Ele queria dela. A sua obra grandiosa não veio das suas mãos, mas de Quem as guiava. Coisas como estas nunca se conseguem com esforço. Apenas com fé. O esforço é grande; mesmo muito grande. Tão grande que não pode vir do próprio, mas do sopro do Espírito.
Isso mesmo explicou São Francisco de Assis, um santo do calibre de Teresa, que há 800 anos faz sonhar a humanidade: "Quando o incomodavam com honrarias e ditos de santidade, retorquia às vezes: "Olhem que eu ainda não estou seguro se não virei a ter filhos e filhas (...) No momento em que o Senhor me quiser tirar o tesouro que me confiou, nada mais me resta do que o corpo e a alma, que também os infiéis têm. Estou bem certo de que se o Senhor tivesse contemplado a um ladrão ou a um infiel com tantos benefícios como fez a mim, bem mais fiéis ao Senhor teriam sido eles do que eu"" (Legenda Perusiana, 104).
Este é o ponto decisivo da vida de Santa Teresa. Admirar uma obra e atribuí-la ao instrumento é enorme tolice. São Francisco também dizia: "Como num quadro do Senhor ou da Santíssima Virgem, pintado na madeira, lembramos e veneramos a Deus e a Santíssima Virgem e a madeira e a pintura nada atribuem a si, porque não são senão madeira e pintura; assim o servo de Deus não é mais do que um quadro, ou seja, criatura de Deus, em que Ele é honrado por causa dos seus benefícios" (idem). Louvar Teresa é bom, desde que nos leve a fazer a única coisa que ela fez: louvar o Senhor que sempre serviu.
Ver as coisas assim leva-nos à única questão relevante da história de Teresa: o que é que Deus quer de mim? As maravilhas de Jesus na alma da sua serva só serão úteis se nos despertarem para aquelas maravilhas, talvez ainda mais maravilhosas, que Ele quer fazer na minha. Mesmo que o mundo não veja. O que quer que seja, do mais rotineiro ao mais inesperado, do banal ao doloroso, a nossa vida só será grande e bela se acontecer diante do Senhor. Como Santa Teresa.
Isto elimina outras tolices que vêm coladas ao louvor de pessoas como Teresa de Calcutá. Muitos, implícita ou explicitamente, dizem algo como: "Assim, sim! Se a Igreja fosse toda com pessoas como ela, eu aderia. Sendo como é, não presta." Deste modo, o elogio da santa transforma-se num ataque à razão da sua vida. A Igreja não tem de ser toda como Santa Teresa de Calcutá na forma de acção, não só porque seria impossível e inútil, mas sobretudo porque não é assim que Deus a quer. Ele, de vez em quando, manda figuras enormes para nos interpelar. E, se de facto nos sentimos interpelados a aderir à sua missão, as Missionárias da Caridade estão espalhadas pelo mundo e aceitam voluntários leigos que queiram dar umas horas do seu tempo.
Aquilo, porém, em que toda a Igreja tem de ser exactamente como Santa Teresa de Calcutá é na fidelidade à vontade de Deus. O aspecto em que cada um de nós precisa de a copiar é no seguimento daquilo que Cristo pretende que façamos. E que naturalmente vai ser muito diferente do que ela fez, porque Deus é o Deus da originalidade, o Deus da diversidade, o Deus da profusão. Tal como não faz duas flores iguais ou dois flocos de neve parecidos, também nunca copia as vidas. Cada um de nós é um santo diferente; um quadro diferente, pintado pelo mesmo Senhor, e representando o mesmo Senhor.
Fazer aquilo para que Cristo nos chama, mesmo que pareça muito afastado das obras dela, é copiar Madre Teresa. O Papa Francisco, que a canonizou, tem uma expressão que resume genialmente este elemento. Diz que a Igreja deve sair para as "periferias existenciais". Todos os locais da sociedade têm periferias que clamam por Santa Teresa de Calcutá. Muitas delas até parecem ricas, confortáveis, fúteis, mas têm dentro um sofrimento, uma miséria, um grito que anseia por Teresa; que anseia por Cristo. Naquele canto onde eu vivo, a única freira que pode acudir a essas margens abandonadas sou eu.

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