“A extrema esquerda defende interesses e não são os dos trabalhadores”

Oje 11/12/2015 - 0:05:59

João César das Neves, economista e professor na Universidade Católica, em entrevista exclusiva ao OJE, fala sobre o apoio parlamentar que sustenta o novo Governo
A extrema esquerda foi capturada por alguns grupos de interesses e que não são os trabalhadores. Não tem ideologia e deixou de falar de uma sociedade sem classes. A afirmação é de João César das Neves que falou à margem do Fórum Empresarial do Algarve, promovido pelo LIDE. Sobre o executivo diz que “há muito tempo que não tínhamos um Governo tão evidentemente capturado pelos grupos de interesses. Perderam a vergonha”.
As promessas do economista Mário Centeno para as eleições são totalmente diferentes das propostas conhecidas do ministro Centeno dos últimos dias. É uma deriva normal?
Será tudo muito diferente e considero que ainda será mais diferente aquilo que no futuro irá conseguir implementar. Até agora foi propaganda e quer o que prometeu na campanha, quer o que se assinou com os partidos de esquerda tem muito pouca aderência relativamente àquilo que vai acontecer.
Vão “bater na real” e para isso é preciso ter coragem, sendo que a realidade é diferente do que foi anunciado na campanha e as contas são o que são. Nesse momento (quando baterem na real) vão dizer que azar, afinal não conseguimos e é preciso que alguém tenha capacidade para os deitar abaixo. Isto é política e provavelmente vão fazer chantagem, incitando a oposição a deitarem-nos abaixo porque quem quer que deite abaixo quem governa ficará com o odioso durante alguns meses…
Mas interessa ao Governo de António Costa cair, ou antes capturar o interesse do centro, nomeadamente do PSD?
O problema é que ao centro existe um problema de egos, são demasiado grandes, tal como se viu recentemente. Se quisessem o centro já o podiam ter conseguido. Não o quiseram e neste momento o problema deles (PS) é quererem libertar-se de uma canga à esquerda e para isso precisam de ser deitados abaixo numa altura que lhes interesse, numa altura que passem por vítimas e repitam aquilo que fez Cavaco Silva em 87 que foi derrubado e fez-lhe um grande jeitão. É essa a estratégia deles.
A estratégia da direita é exatamente começar a deitar abaixo a partir do ponto em que consiga culpar o Governo das coisas que vão acontecer e que, de alguma maneira, já as deixaram armadilhadas. As estratégias são relativamente claras, agora como é que as coisas vão realmente acontecer e como irão ser as oportunidades e os choques que vamos ter, isso ninguém sabe.
Como é que pode ser o relacionamento dos partidos deste Governo com os grupos de interesse depois de terem por cá passado a troika e os parceiros europeus e o FMI. O que irá acontecer aos grupos de interesse? Vão manter-se?
Claro que se vão manter. O problema deles é que não chega para todos. Vai haver uma luta entre grupos de interesse para saber qual deles irá conseguir (vantagens) e como é que irão partilhar o pouco do “bolo” que há. Há muito tempo que não tínhamos um Governo tão evidentemente capturado pelos grupos de interesses. Perderam a vergonha. Antigamente ainda se tinha alguma vergonha, agora já não há nenhuma. É mesmo só grupos de interesses. Evidentemente que não chega para eles próprios, o que significa que irá haver choques entre eles e terão de dividir o pouco que há entre os vários grupos.
O resultado eleitoral que dá maioria de esquerda não é nenhuma novidade. Portugal sempre teve maioria de esquerda. A única novidade é nunca se terem juntado e agora fizeram-no. Mas este resultado reflete falta de comunicação do anterior Governo para explicar o trabalho que fez?
Penso que não haveria nada para explicar que as pessoas quisessem ouvir. O Governo anterior cometeu vários erros importantes em termos estratégicos, mas sobretudo aquilo que eles poderiam dizer era comunicar a verdade e nessa parte as pessoas entenderam. Não houve mal-entendido. O Governo anterior teve de fazer um serviço e de forma inesperada até conseguiu ganhar. Obter o primeiro lugar sem maioria absoluta é um resultado espantoso, e mostra que as pessoas de alguma forma perceberam o problema e o Governo teve sorte no calendário. O corte foi relativamente cedo para ainda dar alguma plausibilidade ao seu modelo e de que era apertamos e depois recuperamos.
Agora o problema fundamental é que o alívio que sentimos nos últimos dois anos não é um alívio sólido e estável. O crescimento está muito fragilizado e de alguma maneira isso irá rebentar agora, no próximo Governo. Até dá jeito à direita. Vão acontecer coisas que aconteceriam sempre, mas que ficam na culpa de uma aliança que é suficientemente anti natura apesar de todos os esforços para dizer o contrário. Será evidente para toda a gente que a culpa será deste atual Governo, embora até seja injusto.
A extrema esquerda está a defender lobbies?
Esse é um grande problema. Esta é uma extrema esquerda que desde há algum tempo que foi capturada por alguns grupos de interesses e já nem sequer finge que não tem ideologia, já não fala de uma sociedade sem classes ou de uma ditadura do proletariado, fala apenas de interesses e ainda por cima não são os dos trabalhadores, não são dos mais necessitados, são interesses à volta do Estado, são funcionários, são pensionistas, e isso é gravíssimo para o futuro cultural da esquerda que perdeu aquela vitalidade, e que hoje está mais aburguesada do que a burguesia tradicional.
Mas este novo Governo pode fazer algumas “flores” com a situação que herdou?
Não muitas. De facto, não pode fazer muito porque o aperto é muito grande, a poupança está mais baixa do que alguma vez esteve. O investimento externo vai por muito mau caminho e mesmo o dinheiro que está nos cofres rapidamente se esgota. Penso que a folga de que se fala não é muito verdadeira, embora permita algumas coisas. O Orçamento de Estado será extraordinariamente difícil de fazer.
Com tantos polícias, quer da troika quer dos parceiros europeus,  dos bancos e das entidades de supervisão, existe o risco da necessidade de uma nova assistência financeira por parte dos nossos parceiros europeus?
Sempre houve. O prazo é muito difícil mas poderá ser entre um e dois anos mas, repito: sempre houve essa possibilidade. Já com o anterior Governo isso acontecia e o atual aumentou essa probabilidade e que é muito grande.
Mas estou convencido de que as principais políticas não sofrerão alterações de fundo. O que é extraordinário é a imprensa portuguesa que já está, mesmo antes de a coisa começar, a desconfiar. A imprensa tem sempre uma grande suspeita em relação ao Governo que está no poder e agora mais do que nunca. O que é estranho dado que habitualmente a imprensa é de esquerda, mas já está claramente a duvidar dos ministros, da credibilidade e da solidez e isso será muito mais difícil de vencer do que qualquer troika ou qualquer vigilância europeia.
Por Vítor Norinha/OJE

Comentários

Mensagens populares deste blogue

OS JOVENS DE HOJE segundo Sócrates

Hino da Padroeira

O passeio de Santo António