Quedas

Inês Teotónio Pereira , ionline  29 Set 2012
A idade, a experiência e o saber contam tanto na educação como um zero à esquerda


Uma das coisas mais importantes que aprendi nesta estonteante aventura maternal é que não se aprende a educar. Educar é uma daquelas coisas que se sabe fazer ou não se sabe. Por mais filhos que se tenha e por mais anos que passem, os erros repetem-se, aprofundam-se mesmo, e as asneiras multiplicam-se de forma exponencial. Ao contrário do que acontece com a matemática, na educação não se aprende com os erros. Se erramos uma vez, isso quer dizer que vamos errar muito mais vezes. É só uma questão de tempo e oportunidade.
Isto da educação, ou se tem ou se nasce com jeito, assim como se nasce com jeito para a música ou para o futebol, ou não se nasce com jeito para educar. A experiência ou os livros na educação não servem para nada, da mesma forma que uma pessoa que tenha um ouvido duro para a música não aprende a tocar piano por ter seis pianos em casa ou por ter um piano há vários anos. Ou tem ouvido ou não tem.
Por exemplo, eu. Ora, eu, apesar de ter alguns filhos, continuo na mesma. Não melhorei nem um bocadinho (e também não sei tocar piano). Os anos passam e eu continuo a gritar com as crianças, a dizer que sim quando estou bem-disposta e não quando não estou, a dar-lhes palmadas com a intensidade correspondente ao meu estado de espírito e não conforme a gravidade da infracção, a perder a cabeça cada vez que estou perante um qualquer trabalho de casa, etc., etc., etc. Não tenho remédio. Podia ter 20 filhos que o desgraçado do vigésimo iria sofrer tanto quanto o primeiro. A idade, a experiência e o saber contam tanto na educação como um zero à esquerda. O que conta, meus senhores, é a chamada queda para educar: há quem tenha queda e há quem não saiba cair.
E o pior, o que torna a coisa ainda mais deprimente, é que quando percebemos que pertencemos ao grupo dos educadores indigentes, desistimos e deixamos de nos esforçar. Tomamos consciência da nossa enorme incompetência e assumimo-la com a displicência do tipo juvenil: “Olha, eu sou assim, quem gosta, gosta, e quem não gosta, azar.” E voltamos, alegre e despreocupadamente, à gritaria matinal.
Por exemplo, eu. Eu agora já não perco muito tempo antes de começar a gritar, já não faço cerimónia. À mínima contrariedade, grito e acabo logo com o suspense. Meias sujas no chão: já não peço para as arrumarem, grito logo. Já desisti de, vá, contrariar a minha natureza. Rendi-me à minha incompetência.
Dantes, ainda me esforçava para seguir o exemplo daquelas mães calmas e serenas, compreensivas e silenciosas, delicadas e bondosas que nunca se alteram, que têm sempre um sorriso maternal e um tom de voz civilizado. Mães a sério (tipo a minha).
Ora, está visto que ninguém aprende a ser mãe assim. Não há forma natural (os ansiolíticos não valem) de aprender a ser como a mãe dos Cinco, que em 21 livros nunca levantou a voz nem pôs as crianças de castigo, nem mesmo quando elas foram sozinhas para uma ilha atrás de uns contrabandistas sem pedirem autorização. Não se aprende a ser do tipo de mães que não se angustiam e que, nas situações extremas – do tipo lutas entre irmãos em que chovem cadeiras e candeeiros –, se limitam a ficar tristes em vez de correrem a criançada de castigo.
Teoricamente, todos sabemos como se educa; na prática, fazemos tudo ao contrário. Só quem nasceu com a dita queda é que se safa. Os filhos, esses, sobrevivem a tudo: melhor ou pior educados, todos eles irão herdar a dívida nacional.

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