Uma cultura de intoxicação

Público 2011-06-18
Manuel Pinto Coelho
Não se duvide de que a indiferença generalizada perante a escalada do uso e abuso de drogas nos torna parte do problema

A toxicodependência é um fenómeno que tem vindo a alastrar e Portugal não foge à regra. Em algumas décadas, passou-se de um problema de "apenas alguns" para um fenómeno de massas, que afecta particularmente os jovens, ceifando sem piedade no seu infernal percurso de morte inúmeras vidas e esperanças.
As sociedades têm vindo a apostar, inconscientemente, no seu próprio embrutecimento. O nivelamento por baixo, a degradação dos padrões de qualidade têm levado, gradualmente, a uma frustrante cultura de desistência, disfarçada "aqui e ali" através de uma política mal conduzida de redução de danos e solidariedade distorcida.
Hoje em dia, crianças e adolescentes, cada vez mais cedo, vêm trivializando o uso de drogas em casa, no bar, na rua ou na escola, à vista dos familiares e educadores que, incrédulos, cada vez mais se vêm sentindo impotentes para obstaculizar o seu uso e abuso.
Nos dias de hoje, no nosso país, tem-se vindo a assistir a uma absurda narcotização colectiva, a uma verdadeira cultura de intoxicação pública e da opinião publicada - a classe política bem como a comunicação social, por não se sentirem confortáveis para falar do assunto ou por desconhecimento de causa, há muito que se demitiram das suas responsabilidades - que aceita sem pudor que as drogas vieram para ficar e que não resta outra solução senão acomodarmo-nos a elas.
Faz confusão a instalação de um clima de aceitação do inaceitável, a crescente tolerância social ao consumo de drogas, legais ou ilegais, uma verdadeira eutanásia, irracionalmente consentida, por quem nos deveria governar.
Não deixa de ser bizarro que, por um lado, se condene a aplicação da pena de morte e, por outro, se feche os olhos ao consumo de substâncias psicoactivas que não fazem mais que condenar em vida quem delas depende.
Não deixa de ser bizarro que se concorde com a fiscalização e controlo das armas e que se seja cada vez mais permissivo com a fiscalização e controle das drogas: "As autoridades deixaram de se preocupar com o pequeno tráfico e agora concentram esforços no grande. Deixámos de apreender gramas ou quilos, para passarmos a apreender toneladas" (Presidente do IDT, in jornal Expresso de 4/12/10).
Como é possível aceitar que o toxicodependente se suicide com doses diárias homeopáticas até morrer, simplesmente porque há quem pense que cada qual é livre de o fazer ou não?!
Sabendo-se que o dependente de drogas provoca dano a si próprio e aos que o rodeiam, como é possível que no nosso país, por razões humanitárias..., como vem expresso na Estratégia Nacional de Luta contra a Droga, seja dado a cada um o livre arbítrio de usar droga ou não - qualquer que ela seja, até 10 dias de uso ninguém tem nada a ver com isso... - e se continue a ignorar que, como dizia o pai do liberalismo moderno, John Stuart Mill (1806-1873), "a única situação que pode justificar que a coacção seja aceitavelmente exercida sobre qualquer membro de uma comunidade civilizada, contra a sua vontade, é quando se trata de prevenir o dano de outros" (On Liberty, 1959)?
Ao contrário dos nossos últimos Governos, é nossa opinião que todos aqueles que se continuam a drogar e não procuram tratamento deveriam ser penalizados através de coimas, eventualmente denominadas de "sociais", que poderiam incluir, por exemplo, inibição da licença de condução, inibição de crédito bancário, não-atribuição do subsídio de desemprego ou de outros subsídios sociais como o rendimento social de inserção.
Não se duvide de que a indiferença generalizada perante a escalada do uso e abuso de drogas nos torna parte do problema. Pelo contrário, o apoio e a preocupação com as pessoas que lutam com este tipo de problemas e os esforços para as conduzir para ambientes que as excluam são, e há-de ser, sempre uma questão de consciência, responsabilidade moral e solidariedade humana. Presidente da APLD - Associação para um Portugal Livre de Drogas



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