O filho do Homem Novo

Público, 2011-06-09  Helena Matos
Em matéria de utopias, como no que respeita a tantas outras coisas, é necessário que algo mude, para que fique tudo na mesma

Era uma vez um casal que teve um filho cujo sexo resolveram não revelar. Dizem que assim a criança será livre de escolher o sexo que quiser. Infelizmente isto não é o princípio de um romance, mas sim o resumo de um caso real sucedido este ano, no Canadá.
Kathy Witterick e David Stocker, assim se chamam os pais da criança, não estão a fazer nada de novo. A História está cheia de tentativas de criar crianças libertas dos padrões tidos como atávicos e convencionais da família. A lista destas experiências é longa e, sem nos afastarmos geograficamente muito, inclui desde as crianças biologicamente perfeitas dos nazis ao afastamento das crianças das respectivas famílias nos primeiros anos da URSS, passando pelas políticas de roubo de crianças às mães espanholas para as entregar primeiro a famílias politicamente adequadas e depois socialmente mais abonadas, ou ainda pelos jardins-de-infância revolucionários da Europa dos anos 70 onde, à semelhança do que sucedeu em várias comunidades hippies, oficialmente não existia autoridade e a pedofilia era muitas vezes vista como um preconceito a combater e não como um crime.
O resultado destas engenharias sociais e morais é invariavelmente o mesmo: uma vez adultas, as crianças vítimas dessas teorias libertadoras - sim, porque tudo isto é sempre justificado com a necessidade de as libertar - oscilam entre achar que lhes roubaram algo, como acontece agora em Espanha com muitos adultos a exigirem saber quem são os seus verdadeiros pais, ou a revoltarem-se com enorme dureza contra aqueles que tanto as quiseram libertar, como sucede na Alemanha com algumas das antigas crianças que frequentaram os jardins-de-infância ditos "libertários".
Vistas à distância, estas experiências têm em comum a crença de que às crianças cabe cumprir a utopia dos adultos. O que espanta e choca é que, sabendo nós o final dessas experiências, continuemos invariavelmente a encará-las tão festiva e negligentemente quanto no passado. Actualmente o desígnio do "Filho do Homem Novo" transferiu-se para a identidade da própria criança. Identidade sexual, como acontece no caso do bebé de Kathy Witterick e David Stocker, ou identidade da sua família. Por mais paradoxal que tal possa parecer, ao mesmo tempo que milhares de pessoas procuram saber quem eram os seus verdadeiros pais em países como a Argentina ou a Espanha, ninguém se interroga sobre quem é a mãe do filho de Elton John. Por mais capas de revista que se façam a dizer que Elton John e David Furnish são pais, por mais que se apaguem as diferenças entre homens e mulheres e tenhamos todos desatado a falar de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgéneros, por mais que em países como a Espanha se tenham inventado uns inspectores da igualdade que andam pelos pátios das escolas a ver se estão ser aplicadas as regras que pretendem obrigar os meninos e as meninas a brincar em conjunto e às mesmas coisas, as crianças não têm dois pais, nem duas mães. O direito de duas pessoas do mesmo sexo verem reconhecida a sua união não é um direito que se possa sobrepor ao direito à identidade da criança que estão a criar. Tal como as convicções de Kathy Witterick e David Stocker não se podem sobrepor ao bem-estar do seu filho, que, tendo muito provavelmente de viver no planeta Terra, não pode ser privado de ser identificado como homem ou mulher.
Enfim, em matéria de utopias como no que respeita a tantas outras coisas, é necessário que algo mude, para que fique tudo na mesma e por isso neste início do século XXI o sonho do Homem Novo continua vivo. Só que agora não fala de bens materiais, mas sim do nosso corpo.  
Ensaísta
Porquê para taxistas e não para talhantes? Afinal estes últimos enfrentam o público de cutelo na mão. E porque não para professores, juízes ou médicos? Todos nós podemos enumerar uma dúzia de argumentos a favor ou contra o uso de exames psicológicos mas no caso dos taxistas estes testes parecem-me uma exigência não só absurda mas também com o seu quê de paternalismo social, tão característico de um país que adora doutores e usa o termo taxista como sinónimo de ignorante. Pelo contrário acho muito importante que os taxistas façam regularmente testes ao consumo de álcool e de substâncias que inibem a capacidade de condução ou que na atribuição da respectiva carteira profissional se tenha em conta o respectivo registo criminal - a mim pessoalmente não me parece que um violador deva trabalhar como taxista. Quanto à psicologia é melhor guardá-la para outras coisas.

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