A AMÉRICA VOTOU - NOVO CICLO

dn, 20081106
Maria José Nogueira Pinto
Jurista

As dúvidas dissiparam-se, pelas duas e trinta da madrugada, quando as projecções das grandes estações de TV deram a vitória de Obama no Ohio e na Pensilvânia. São dois Estados com uma forte componente de operariado e pequena classe média branca, em que McCain investira na fase final da campanha e que tinham parte da decisão nas mãos, com os seus 41 votos no colégio eleitoral. A queda para Obama destes Estados lembrava também a grande viragem na campanha e o decisor da eleição: o crash de Wall Street na ocasião precisa em que as sondagens revelavam que McCain começava a chegar à frente. Mas a catástrofe económica, a recusa de uma parte dos congressistas republicanos de votar o Plano Paulson, as hesitações do candidato, tocaram de morte a causa do duo McCain-Palin.A economia liquidava o candidato republicano, como em 1992. Sobretudo nestes Estados com uma componente de blue-collars conservadores em religião e costumes. E ressurgiu, nesse sector do eleitorado, aquela impressão de que a Presidência Bush, que, além da guerra do Iraque, corporizava um "governo dos ricos, pelos ricos e para os ricos". Impressão excessiva, mas que, juntando às desgraças da economia e do povo a ideia de que umas dúzias de gestores, de lobbystas e de políticos corruptos, forrados com milhões de dólares de comissões e especulação, deu o golpe final nas aspirações dos republicanos.Porque muito fez McCain, para conseguir o resultado que conseguiu, com uma etiqueta republicana que a equipa no poder tinha posto pelas ruas da amargura.Assim se fecha um longo ciclo de hegemonia conservadora na política americana - apoiado a partir de Reagan em 1980 na aliança Sul-Middle West, blue-collars, evangélicos e republicanos tradicionais, que mesmo na era Clinton manteve o Congresso. A gestão de George W. Bush e Dick Cheney deu cabo dessa aliança. Como no Congresso e nos governos estaduais, a vitória dos democratas foi muito significativa, começa um novo ciclo político.Não me preocupa a vitória de Obama; só vai incomodar um bocadinho o barulho que a "esquerda festiva", por cá, vai fazer à sua volta. Até começar, daqui a seis meses, a manifestar a sua desilusão com o novo Presidente americano… Porque Obama é um político e estratega consumado no modo como apareceu, ganhou a nomeação democrática à todo-poderosa Hillary Clinton, captou as forças do capital - de Warren Buffet a Paul Volcker - e parte do establishment conservador americano e internacional.Por isso teve 600 milhões de dólares para a campanha. Que não podiam vir de "pequenas" contribuições de 50 dólares na Internet, num país de 300 milhões de habitantes! E acabou endossado por toda a gente, incluindo intelectuais conservadores - como o incontornável Fukuyama, do "fim da História" - e uma série de personalidades que na semana final se juntaram ao carro do vencedor.Obama vai ter uma das mais difíceis presidências da história americana: duas frentes de guerra - Iraque, difícil e vital para a política do Médio Oriente, e o Afeganistão, que nem sequer é um país, mas um conglomerado tribal, de "senhores da guerra" e fanáticos, que serviu de cemitério, sucessivamente a ingleses e soviéticos. O risco de recessão, com o acréscimo da dívida pública para a cobertura de Bancos e Seguradoras falidos. A questão do macroterrorismo. E os problemas de que fez bandeira - a saúde, a educação, as cidades, a pobreza.E também, a necessidade de redefinir o papel dos Estados Unidos perante um mundo que mudou muito. E onde não é possível, ao mesmo tempo, enfrentar o islamismo radical, hostilizar a Rússia e inquietar a China, e ter a política externa condicionada por lobbies de interesses e agendas ideológicas.Mas Obama tem, com um Congresso da sua cor e uma grande dose de expectativa favorável interna e externa, uma oportunidade de refazer, em face a face com o resto do mundo, uma ordem internacional estável e equilibrada. Deus o ajude, e a nós também.

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