"Entender a misericórdia no ano da misericórdia"






Foi com muito alegria que aceitei dirigir-me aos Peregrinos que este ano partiram mais uma vez para Fátima, seguindo um grupo que o meu pai encabeçava todos os anos. 

A eles muito agradeço o compromisso com este gesto, o testemunho de fidelidade ao pedido de Nossa Senhora, e o pedido que me fizeram, pois o testemunho é bom, antes de mais, para quem o dá, porque torna-nos mais conscientes da Graça de Deus na nossa vida. 











Inês Dias da Silva, Cartaxo, 9 de Outubro, 2017

Eu conheço o movimento desde os 14 anos, mas confesso que a minha fé é há muito motivada por um querer acreditar sem ver, uma esperança de que as coisas no final hão de correr bem, mais um positivismo que esperança. E a minha pertença ao movimento e à Igreja, era muito sustentada pela amizade com os da minha preferência, correndo o risco de que desilusões com os amigos pusessem em causa  a pertença. 

Mas há bem pouco tempo aconteceram coisas que mudaram a forma de eu olhar a fé, em particular a minha fé. São estes factos que vos gostaria de contar.

NASCIMENTO DO PEDRO
Há pouco menos de 5 anos nasceu-nos um filho que desde então sempre teve uma saúde muito instável. Nasceu no ano da fé, e nasceu da fé. Uma fé que tanto para mim como para o meu marido nos fazia confiar que mesmo eu tendo uma doença hereditária na família, que deveríamos ter os filhos naturalmente e no fundo no fundo confiávamos que os filhos nasceriam saudáveis por milagre. 

A nossa oração era nesse sentido. Quantas vezes teremos recorrido, em Fátima à “santinha” para obter favores a baixo custo… (como diz o texto de hoje da EC).

Por isso, o nascimento do nosso filho Pedro foi sentido como uma traição. Já tínhamos dois filhos saudáveis na altura, a “santinha” que estava até então a fazer o que era suposto, enganou-se, equivocou-se. Fosse qual fosse o caminho, não podia ser por aí! Certamente não seria por internamentos de meses no hospital. Mas ele teve um primeiro internamento grave, e depois veio mais um, mais outro e mais outro, cada um pior que o outro. Em cada internamento, esperávamos pelo momento de ir para casa, para recomeçar a viver, aquele momento em que viria finalmente a saúde, nós conseguiríamos dar-lhe o que ele precisava. E permanentemente falhávamos. Falhamos a poucos dias do Natal que passou no Hospital, em aniversários dele, dos irmãos, da bisavó, do avô, da avó, na Páscoa, nas férias de Verão. Ainda hoje, se há alguma data que consideramos importante ele estar bem e em casa, há uma grande probabilidade de ele estar mal e no hospital.

O DESMANCHA-PRAZERES
Era para nós, pode-se dizer, um desmancha prazeres. Se já tínhamos ultrapassado o facto de ele ser diferente os outros, queríamos agora que ele estivesse integrado na família, que participasse dos momentos de festa, que estivesse presente. Mas ainda hoje ele, muitas vezes, não está. Sendo este um desejo legítimo e até generoso, não entendemos muitas vezes porque Deus não o permite.

PODES LEVÁ-LO, MAS AO FRANCISCO NÃO
Este é o sintoma de uma falta de disponibilidade que me dei conta um dia: o Pedro estava internado com uma infecção de uma bactéria hospitalar e o Francisco (o nosso segundo filho, uma criança perfeitinha e loira) aparece com um grande inchaço na perna. Com medo de que pudesse ser um sinal de contágio, levei-o à urgência e lembro-me de pensar: “se quiseres podes levar o Pedro, mas  Este NÃO!

6 DE FEVEREIRO 2016
Poucos dias depois de uma alta depois de um internamento de mês e meio; estávamos em casa, era Sábado e a imagem peregrina de Nossa Senhora estava a fazer a sua tourneé pelo País em preparação para o centenário. Nesse dia, saíria do Hospital D. Estefania, em frente de nossa casa. Já tínhamos decidido que iria só um com os outros, para preservar o Pedro. Mas logo a seguir ao almoço, o Pedro teve uma crise grave e tentamos socorrê-lo com aquilo que tínhamos em casa. O tempo voa, começam a chegar amigos, chegam os meus pais, que antes de integrarem a procissão passaram ali para o visitar. Desanimadamente, decidimos que temos que chamar o INEM. Não sabia que horas eram, mas lembrei-me da procissão e que o trânsito podia estar bloqueado.

A SENHORA DA VARANDA
Fui à varanda para confirmar e assim que saio percebo que são 5 horas em ponto. A imagem está no portão. Um minuto antes estaria lá dentro, um minuto depois estaria de costas a descer a R. Jacinta Marto. Não consigo explicar como me impressionou este facto. Naquele momento de aflição, não me senti mais sozinha. Achei que tinha chegado o dia do Pedro ir para o céu. Prepararei-me o melhor que pude para o entregar, entre a azáfama da preparação de malas e distribuição dos miúdos. Mais uma vez a casa da família, desintegrada. Cada um para seu lado.

A RECEPÇÃO DO PRÍNCIPE
O Gonçalo foi na ambulância, eu cheguei um pouco depois. Esperava cá fora pela notícia que já previa. O Gonçalo mais tarde contou-me que uma médica que o seguia mais de perto tinha vindo recebê-lo, apesar de não estar de serviço e que à entrada da sala de reanimação, lhe disse que ele podia entrar, mas que ela não sabia o que ía acontecer. Chamaram-me para entrar. 7-8 pessoas à volta de uma criança moribunda. Depois de quase 3 anos a passar pelos cuidados intensivos, decidem levá-lo antes para o serviço onde passou grande parte da sua vida. Com ele estabilizado, começa o cortejo.

CORTEJO FÚNEBRE
À frente, uma médica, chefe de serviço, ao lado os pais e enfermeiros, passámos à porta dos Cuidados Intensivos e alguns que o conheciam vieram à porta vê-lo a passar. Se era um cortejo fúnebre, era o funeral de um rei. Foi uma misteriosa reverência que se viveu naquela noite. A médica estava contemplativa connosco, com uma reverência que eu me habituei a prestar ao Senhor só quando o Pedro vinha recuperado para casa, e ali reconheci-a nos outros, perante o Pedro a morrer.

A SENHORA CHAMOU, NÓS VAMOS
O Pedro estabilizou e a primeira consequência deste dia 6 de Fev de 2016, foi um desejo de responder a este chamamento de Nossa Senhora. Convidámos amigos e família a ir a Fátima no fim de semana seguinte, disse-lhes - “A Senhora chamou”, só porque eu a vi na nossa varanda, naquele momento de aflição. O Sábado seguinte calhou a 13 de Fevereiro, aniversário da morte da irmã Lúcia. Que bom que foi termos ido, a família do Norte encontrou-se lá connosco. Chovia de tal maneira que atravessar o santuário para a capelinha com carrinhos de bebé e crianças, foi uma autêntica peregrinação.

No mês seguinte, não me lembro do Pedro abrir os olhos sequer quando lhe fazíamos a higiene. Não me lembro de ver o sol, no seu quarto que até tinha janela, terá sido um mês de Fevereiro muito enevoado. Os dias passavam ele dormia ventilado 24h sobre 24h, NADA ACONTECIA. Na minha memória permaneceu assim 1 mês. Não percebia a utilidade de estar ali, se devia intervir se estávamos a ser obstinados e o que devíamos era planear o seu fim com a equipa… à procura de uma resposta fui visitar as irmãs da caridade em Chelas e li de uma empreitada o livro com as cartas da Madre Teresa.

E HABITOU ENTRE NÓS...
Foi naquele quarto, e depois destes acontecimentos e com aquela leitura que se começou a aflorar uma ideia. Que seja verdade o que lemos no Evangelho "aquilo que fizerdes ao mais pequeno dos meus irmãos, é a mim que fazes” (Mt, 24, 50) e que a vivência da Madre Teresa sobre essa passagem tivesse nascido a fazer o mesmo que eu estava ali a fazer: companhia a um moribundo. Naquele quarto de hospital, diante do meu filho aparentemente sem vida, aflorou-se pela primeira vez, como verdadeira, a hipótese de que Deus se tenha mesmo feito pequeno. Tão pequeno que tenha tido necessidade de uma mãe. Uma mãe como eu. Teria Ele uma necessidade assim tão vital a que era difícil, como mãe, dizer que não? Não como uma criança que pedincha, mas porque se torna de tal modo óbvia a sua extrema necessidade, como se ele morresse se eu dissesse que não. Poderia o anúncio do Angelus ser feito também a mim. Precisaria Ele de mim, para habitar?  A ser verdade, mudar aquela fralda, era a coisa mais importante do mundo, era um rabo de ouro!

A ser verdade, o que é que isto diz de mim, de quem eu sou? Apesar dos meus falhanços, da minha vulnerabilidade, Ele quis ser vulnerável SÓ para que eu o pudesse ver! Ali estávamos, duas vulnerabilidades que se encontram; ou que se reencontram, mas com uma potência nova. É MESMO verdade que TU tenhas “descido até à cruz para me encontrar, e trazer-me para a Luz.”? (como disse o Papa em Fátima, página 27 do Peregrinar.)

Eis o que me foi dado em 2016: 
ENTENDER A MISERICÓRDIA, NO ANO DA MISERICÓRDIA!

EMAIL aos amigos no dia 7 de Fev:
Amigos, ontem na hora exacta em que saía do portão do Hospital de D. Estefânia, a imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima, mesmo junto a nossa casa, o Pedro, que tinha saído do hospital ainda esta semana, foi socorrido pelo INEM numa grande crise respiratória.
Quando o Gonçalo saiu com o Pedro na ambulância e eu fiquei a distribuir as crianças, pensei que tinha chegado a hora de o entregar no colo de Nossa Senhora que tinha vindo pessoalmente chamá-lo. Mas a realidade é que ele estabilizou e quem está ao colo somos nós.


Como diz na EC de hoje: “Pelo orgulho do meu coração, vivi distraído atrás das minhas ambições e interesses (…) a única possibilidade de exaltação que tenho é que a vossa Mãe me pegue ao colo, me cubra com o seu manto e me ponha junto do vosso Coração.”

GRATIDÃO
Que gratidão nasce daqui!

Dizia o Carrón no Início de Ano: A gratidão é expressão de um acontecimento presente.

E hoje, olhando para trás, que GRATIDÃO! de perceber a misericórdia do Senhor para comigo. De me ter tirado da distracção para acolher a morte do meu pai no Outubro seguinte. Porque "o medo não se coaduna em quem é amado" (página 23 do Peregrinar).

Era claro para mim agora, que as circunstância difíceis e estremas não eram contra mim, mas expressão do Seu amor, da sua preferência, do Seu desejo de vir ao meu encontro, ao ponto de sofrer por isso. Deu-me a experimentar a Sua Presença de forma potente, como ainda não experimentei noutro lugar a não ser naquele hospital. Não há missa do Pe. Luis Mi, ou do Pe. João, ou Escola de Comunidade, ou Exercícios Espirituais que batam o mudar a fralda, ou amparar, confortar o nosso filho Pedro, quanto a tocar a carne de Jesus.  Especialmente quando está no seu estado mais vulnerável. Esse é o momento da maior comoção, da maior tomada de consciência de que é MESMO verdade, que “Ele desceu até à cruz para me encontrar”. 


O próprio HOSPITAL que era até então um campo de batalha - a evitar a todo o custo - era agora santuário - a visitar.  Era o lugar do colo da Mãe! Quem podia imaginar. O que até ali se passava era uma guerrilha, um braço de ferro entre a ideologia (ELES) e a fé (NÓS). Mas essa tinha sido até então uma batalha infrutífera. Porque o que responde à ideologia, não é uma outra ideia, mesmo que de fé, o que responde à ideologia, é o próprio Jesus! Naquela noite de 6 de Fevereiro já não havia ELES e NÓS...só havia ELE! O Jesus triunfante porque reconhecido. Tanto antes tinha sentido o dever, o peso de justificar escolhas, de proclamar as regras e doutrinas do cristianismo quando eu só tinha afinal que ser a sua mãe!

PODE A INQUIETAÇÃO SER BOA?
Apesar de tudo isto, como eu ainda gostaria de acabar dizendo-vos que tudo acabou em bem e vivemos todos felizes para sempre. Ainda temos a tentação de procurar os sucessos e as vitórias nesta terra. Não aconteceu assim com Cristo, não podemos esperar que seja assim connosco.

Mas de algum modo, a verdade não será distante, porque o Para Sempre começou, para o meu pai, no dia 11 de Outubro do ano passado. Há um ano dormiu aqui com muitos de vós, rezou as laudos debaixo daquele telheiro, lançou o dia e na madrugada seguinte depois do serão, morreu.

Quantas vezes me preparei para chegar a casa e dizer aos meus filhos: O Pedro morreu. E naquela tarde de dia 11, liguei ao Pe. João a perguntar como é que lhes haveria de dizer que tinha morrido o Pedro - avô. Perante a sua tristeza, propusemos ir comer um gelado ou um hambúrguer. Mas eles disseram inequivocamente que queriam ir a uma IGREJA. Sem grandes planos fizemos o caminho para casa e entrámos na primeira Igreja por onde passámos: a Igreja de Nossa Senhora de Fátima!

Como pode uma circunstância destas ser BOA? Porque nos faz procurar o colo da MÃE! Porque nos faz agradecer as palavras do Papa ‘TEMOS MÃE’, porque só assim podemos viver sem medo. Os nossos filhos de 8 e 7 anos sabem isto, porque são pequenos, e precisam da mãe.

Não acho que seja possível olhar para estes acontecimentos e não encontrar provas de uma FIDELIDADE a toda a prova. Uma Fidelidade que não precisa da minha. Deus não me pagou na mesma moeda, ele perdoa a minha infidelidade. A coisa que Ele precisa de mim, é que eu Lhe dê a Liberdade para habitar, para se fazer carne entre nós e caminhar connosco.

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