"Meu Querido Portugal"

OBSERVADOR     18.10.2017

Ao longos dos últimos dias recebemos no Observador textos de leitores que são, simultaneamente, testemunhos, desabafos, apelos. Deixamos aqui três deles, começando pelo de uma leitora de 20 anos.

Meu querido Portugal,

Venho pedir-te desculpa. A ti me dirijo pois é, unicamente para ti, que se me oferece fazê-lo. Hoje, o silêncio vence-me de uma forma avassaladora. Cito-o, para que entendas como me sinto. (…)
Ao longo das últimas horas, os séculos de história que te contemplam choraram desalmadamente a tua tragédia – de mão ao peito, com a vista pregada no teu sofrimento, sussurrando o hino a que soas – no desejo de que o verde ardido não levasse consigo a cor da esperança, que a pátria em ti pintou.
A dor é colossal e, ao contrário do fogo, não se extingue; não se apaga; não se esquece; nem se perdoa. O Estado que te governa, não te sabe, primeiramente, salvaguardar – e, quando confrontado com o tema, esquiva-se das suas responsabilidades, enveredando pelo desplante de te atirar “cinzas” para os olhos.
Entre a dúvida que paira relativamente à causa do que terá espoletado esta situação caótica, sobra a certeza de que a mesma se agravou graças à irresponsabilidade, à incompetência, à preguiça, à incúria e à negligência de um Governo, que não te ama tanto quanto nós – porque já dizia o outro “quando a gente gosta, é claro que a gente cuida!”. Sentimos a tua revolta, porque ela também é nossa.
O Pinhal de Leiria despediu-se de nós, embarcando em naus e caravelas que ao fim de 750 anos de história descobriram, não uma nova parte do mundo, mas um fim tenebroso dele. De Norte a Sul, o património que te personifica tornou-se mais preto do que nunca, cuidando que a orla branca que sempre te iluminara é neste momento pouco mais do que o reflexo das chamas no céu.
Quem diria que de heróis do mar passaríamos a heróis da terra.
Catarina Teles de Menezes, estudante de Direito na Universidade Nova de Lisboa, 20 anos

Ontem e hoje a história repete-se

Escrevi parte deste texto no último mês, mas hoje pareceu-me obviamente oportuno organizá-lo e partilhar convosco em forma de carta aberta.
No último ano reaproximei-me do interior de Portugal, do lugar do meu nascimento. Tenho na minha memória a Serra da Gardunha antes e depois do fogo.
Não se “tratam” de mais uns quantos hectares ardidos! Até porque estas coisas não se “ tratam” como este país teima em repetir. Já nem vou mencionar a prevenção e a sensibilização que falharam! Aponto os apoios que ainda não chegaram. São necessárias ajudas extraordinárias. Já! E deixemo-nos de formalismos e palavrões, de papelada e relatórios de responsabilidade política.
O resultado está à vista. Não deviam “eles” ocupar-se antes com as populações transformadas em cinzas? Esses apuramentos disciplinares não são para esta hora! Uma hora em que as pessoas não sabem o que vão comer ou onde vão dormir amanhã. Às pessoas só resta a promessa de um fundo de solidariedade europeu que ainda está em modo de “candidatura”.
Regressei ao Fundão poucos dias depois e o cenário era apocalíptico. As cores haviam-se perdido. O preto e o branco reinavam no ecrã da minha máquina fotográfica de tal maneira que me dificultavam um disparo.
Nos próximos anos a sombra (a pouca que resta) confundir-se-á com a escuridão da cinza. São florestas e economias familiares em choque, todo um ecossistema que se vê obrigado a uma regeneração precoce. Bem dizem que as árvores morrem de pé, mas logo na primeira semana era já o estalar dos troncos que fazia prever o seu fim. Eram as suas últimas reacções.
Um dos relatos que mais me impressionou, para além do panorama catastrófico, foi o chiar assustador das árvores a arder, era como que se a terra chorasse, diziam.
Regressei ao Porto e ainda há tanto por fazer! Incansáveis são os grupos de voluntários e as atenções amigas que ajudam a dar o primeiro passo no chão queimado e ainda quente. O tom das conversas parece antever as consequências das próximas chuvadas. Percebe-se a aflição daqueles que nos próximos meses terão os tubos a cuspir negro. Os elementos básicos esgotaram-se . São matas centenárias , quilómetros de gota a gota, estufas, terreno de pasto, reservas de água e máquinas agrícolas destruídas pelas chamas!
Às vezes não sei se são as pessoas que não têm voz ou se nem sequer se chegam a importar de o fazer. Parece que vivemos num feliz passividade que de vez a vez se move em atos de pretensa solidariedade. Falta a voz de um povo activo para dizer que está errado, o antes e o depois, a prevenção e a solução. Os tópicos são sempre os mesmos, mas este país parece sempre remendar em vez de cuidar.
Como vai o Estado conseguir suportar o preço dos interesses dos grandes polvos? Porque no café continuarão a sentar-se de costas voltadas ao balcão o incendiário e o bombeiro sapador! E todos sabem do que se passa do lado de lá da cortina, mas poucos são os que se atrevem a mudar o guião da peça a que assistimos. Bem, não mencionemos agora esse assunto, são averiguações para outra altura. O sol parece não dar tréguas . Há a imagem de um Portugal que precisa de um recomeço. E a cassete é sempre a mesma!
Temos de nos consciencializar do extremo civilizacional e do excesso da luxúria disfarçada . Vivemos no verso e no reverso, na oposição de um mundo à beira do precipício e de uma sociedade que treme ao olhar o desfiladeiro de uma realidade sem justiça social.
Ontem e hoje a história repete-se.
Mariana Luísa Leitão

Carta Aberta a Catarina Martins

Cara Catarina Martins,
Sou portuguesa. A minha cor política e a sua não interessam. Somos duas mulheres de luto pela morte escusada de mais de 100 compatriotas.
Embora não me conheça, admita que gosto do meu País. Eu conheço-a, até acho que já fez muito mal ao País, mas admito que acredita que faz bem e portanto que gosta do nosso País.
Pelo que ouço e leio, penso que estava satisfeita com a solução governativa encontrada. Acreditando que gosta do nosso País, assumo que hoje, esta solução já não a satisfaz. Esta solução carrega às costas a responsabilidade de muitas mortes inocentes. O nosso Primeiro Ministro responde moralmente por cada uma delas.
Soube pela comunicação social que vai ser submetida à AR uma moção de censura. Politicamente vem num mau momento: o PS está em alta à custa dos acordos com o BE e o PCP, o PSD à procura de novo líder, O PCP a perder terreno e o BE eventualmente a perder protagonismo aos olhos dos portugueses, cedendo sem querer os louros ao PS.
Como portuguesa de luto, pergunto se é hora de fazer contas sobre o que convém politicamente ou, ao invés, preservar a vida dos portugueses que ainda estão vivos?
O que sabemos e podemos esperar do nosso Primeiro Ministro é que “situações como as de domingo vão repetir-se”. É isso que queremos?
Apelando ao seu bom senso e à sua humanidade, peço-lhe que aprove a moção de censura para nos poupar à irresponsabilidade e desumanidade do Dr. António Costa.
Talvez pessoalmente não lhe seja conveniente. Há alturas em que valores mais alto se levantam.
Rita Fontoura

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