Há, mas são verdes!

Manuel Villaverde Cabral
Observador 7/8/2015

A acrimónia verrinosa do PS e do resto da oposição não augura nada de bom para encaminhar uma resolução gradual de problemas tão antigos e gigantescos como o desemprego e a instrução pública.
A acrimoniosa discussão suscitada pelos resultados oficiais do emprego e do desemprego em Portugal nos últimos semestres comprova, se necessário fosse, que se abriu entre nós um fosso insanável entre o actual governo e a oposição. É certo que esse fosso fomentado pela própria comunicação social diz basicamente respeito às elites políticas oposicionistas. Para estas, aquilo que é bom para o governo, no caso, os resultados comparativos do desemprego demonstrados pelo INE, cujas regras de cálculo são normalizadas para toda a UE, é para a oposição, com poucas excepções como a UGT, «propaganda mentirosa» ou mesmo «o fim da democracia»!
É uma situação típica daqueles a quem os resultados não convêm, por razões partidárias óbvias, e tentam então pôr em dúvida os próprios dados, invocando todo o género de motivos conceptuais e quantitativos. Há mas são verdes: os dados são o que são… mas não nos convêm! Imagine-se, inversamente, que o INE se punha a contabilizar as pessoas que, embora auferindo um subsídio qualquer associado ao desemprego, tiram no entanto algum de rendimento do auto-emprego? Ou as que acumulam uma ou mais pensões com empregos não declarados? E como classificar estatisticamente essa vasta categoria dos jovens «nem-nem»: nem estudam nem trabalham, então de que vivem?
Ora, a verdade é que esta discussão é antiga e, quem quiser, é livre de qualificar os dados registados pelo INE. Nesse caso, porém, as comparações só fazem sentido se esses critérios ad hoc forem retro-projectados nos anos anteriores para verificar se os dados de facto melhoraram, sim ou não, conforme indicam os critérios oficialmente em vigor. Segundo estes, a redução do número de desempregados registados segundo os critérios UE foi a maior desde 1998 e atingiu hoje a percentagem de desempregados mais baixa desde 2010, isto é, desde que o PS levou o país à bancarrota à qual o actual governo tem estado a tentar pôr cobro.
Com efeito, estou habilitado a invocar um artigo que publiquei em 1999 (em Inglês, peço desculpa), com base nos dados sobre o emprego e os rendimentos da população portuguesa relativos ao período do «bloco central» (1983-85), quando o governo foi obrigado, pela segunda vez desde o 25 de Abril, a pedir socorro ao FMI (a primeira tinha sido em 1978 e os principais actores eram Mário Soares e Vítor Constâncio). Nesse artigo já se qualificavam muitos dos critérios a atender neste tipo de cálculos, não excluindo a emigração, a qual foi sempre a válvula de escape secular da economia política do mercado de trabalho português. A diferença desde então é que hoje possuímos dados mais fidedignos para o emprego consensualizados à escala da UE, mas muito menos confiáveis do que acontece hoje com as migrações de curto alcance dentro da UE.
Na realidade, o desespero da oposição ao governo PSD+CDS perante a melhoria comparativa do mercado de trabalho comprova apenas duas coisas: que no tempo de Sócrates a situação do desemprego já era tão má ou pior do que hoje e sobretudo que o clima económico em geral é bem melhor do que em 2013, segundo os indicadores de actividade e consumo. Se os eleitores votassem de acordo com a realidade expressa pelas actuais estatísticas, a coligação estava reeleita, mas todos sabemos que nem o voto nem a abstenção são determinados apenas pela situação das famílias…
No que diz respeito ao emprego/desemprego, aquilo que é necessário discutir – e é isso que a oposição não tem feito – são os traços estruturais do mercado do trabalho. Hoje, já só tenho tempo para enumerar os mais importantes:
1) os quatro países do Sul da Europa intervencionados pela «troika» têm das taxas de assalariamento mais baixas da UE e uma taxa histórica elevada de desemprego;
2) de todos estes, acontece que Portugal é, comparativamente, o melhor dos quatro: não só tem um desemprego histórico menor como tinha uma percentagem mais alta de assalariamento, graças sobretudo aos assalariados agrícolas alentejanos mas que estão em vias de desaparecimento;
3) em contrapartida, é provável (não conheço estudos conclusivos) que a emigração, a baixa da fecundidade e o crescente envelhecimento demográfico do país façam parte da actual equação jovens-trabalhadores-pensionistas;
4) os mercados do trabalho nos PIGS (sem Irlanda) são porventura os mais segmentados da UE, portanto, os menos amigos do emprego, e razão tem Mário Centeno ao falar da flexibilização entre os dois mercados de trabalho segmentados, nomeadamente o público e o privado, mas de certeza que o PCP não deixa e o PS só poderá anuir;
5) para mim, talvez por deformação profissional, a «causa de todas as causas» está no baixíssimo nível educacional do país (os progressos quantitativos das últimas décadas têm tido custos qualitativos tais que a distância entre Portugal e a UE aumenta e não diminui;
6) finalmente, como nos PIGS, é devastadora em Portugal a desadequação entre o ensino pós-básico e o mercado de trabalho, como o mesmo estudo demonstra!
A tragédia é que a acrimónia verrinosa do PS e do resto da oposição não augura nada de bom para encaminhar de vez uma resolução gradual de problemas tão antigos e gigantescos como os do emprego/desemprego, do mercado do trabalho e da instrução pública. Não basta a oposição repetir que há soluções mas são verdes!

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