O PIOR DOS MALES: A INDIFERENÇA

António Bagão Félix
Voz da Verdade, 2015.03.22

Há tempos, li um interessante texto sobre a vida do notável jogador austríaco Matthias Sindelar que morreu numa fria noite vienense de Janeiro de 1939. Foi encontrado morto na cama do seu quarto com a sua mulher Camila Castagnola, uma judia de origem italiana. Sindelar, que era filho de emigrantes checos judeus, negou-se a jogar pela selecção da Alemanha nazi que havia integrado a Wunderteam (“equipa maravilha”, assim era apelidada a selecção austríaca), como consequência de a Áustria ter passado a ser a província alemã de Ostmark. Hitler não perdoou. Os nazis ofereceram uma recompensa pela sua captura. O cerco ao jogador apertou-se, até que um dia a polícia “informou” a sua morte. Assim terminou a vida e a brilhante carreira de um jogador que foi popularmente eleito o melhor atleta austríaco do século passado. Ficou conhecido como o Mozart do futebol.

Albert Ebossé, jogador de futebol camaronês, 24 anos, morreu há pouco tempo. Havia emigrado para jogar na 1ª divisão argelina, na idade de todos os sonhos. Marcara até o único golo da sua equipa (JS Kabilylie), o que não impediu a derrota por 1-2. Foi barbaramente atingido por uma pedrada na cabeça quando regressava aos balneários. Adeptos – inconformados com a derrota – atiraram pedras, como se do outro lado pedras estivessem também. A notícia da brutal morte do jovem africano surgiu no “rodapé” jornalístico.
Eis dois exemplos dramáticos do lado mais perverso do desporto. Por um lado, o totalitarismo mais cruel e desumano a impor as regras e a esmagar a liberdade mais singela. Por outro lado, a fúria totalitária de quem vê um simples jogo de futebol como se de uma guerra se tratasse.
São notícias sobre actividades de que se muito se fala, o futebol e o desporto. Mas, infelizmente, notícias destas abundam por todo o lado e nas circunstâncias mais cruéis e dramáticas.
As sociedades a isso assistem com uma crescente indiferença que tudo banaliza. Até a própria indiferença…
Contra este insidioso e corrosivo poliedro da indiferença que se tende a propagar em todos os aspectos das sociedades, lembro as assertivas, serenas e corajosas do Papa Francisco na visita que fez ao Parlamento Europeu. Realço aqui alguns pontos: o primado da pessoa, enquanto expressão de uma inalienável dignidade transcendente e da capacidade inata de distinguir o bem do mal, não limitado à mera expressão biológica de indivíduo ou agrilhoado como sujeito económico descartável. Disse o Papa: “Persistem ainda muitas situações onde os seres humanos são tratados como objectos, dos quais se pode programar a concepção, a configuração e a utilidade, podendo depois ser jogados fora quando já não servem porque se tornaram frágeis, doentes ou velhos”. Impressivamente, exemplifica com uma das vergonhas da Europa: “Não se pode tolerar que o Mediterrâneo se torne um grande cemitério!”
A dignidade da pessoa implica também uma justa e harmoniosa combinação entre direitos e deveres. Cito: “Ao conceito de direito já não se associa o conceito igualmente essencial e complementar de dever, acabando por afirmar-se os direitos do indivíduo sem terem conta que cada ser humano está unido a um contexto social, onde os seus direitos e deveres estão ligados aos dos outros e ao bem comum da própria sociedade”. Bem comum expresso numa notável síntese de apenas duas palavras: “Nós-todos”.
O Papa Bergoglio acentuou, ainda, a riqueza da diversidade num Mundo que se quer mais humanamente rico e esperançoso. Para isso, exortou os parlamentares a evitar “muitas ‘maneiras globalizantes’ de diluir a realidade: os purismos angélicos, os totalitarismos do relativo, os fundamentalismos a-históricos, os eticismos sem bondade, os intelectualismos sem sabedoria” .

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