Regressar à realidade da troika

Alexandre Homem Cristo
Ionline, 2013-09-30

Por mais que o PS exiba a sua irresponsabilidade, o que é verdadeiramente relevante para o futuro do país mantém-se inalterado

1. A limitação dos mandatos autárquicos foi um fiasco. Perante os objectivos de combater clientelismos e evitar a perpetuação no poder, os números não entusiasmam. Com 138 presidentes de câmara impedidos de se recandidatar à mesma câmara, metade (68) candidatou-se no mesmo concelho a presidente da assembleia municipal. Muitos outros autarcas-dinossauros candidataram-se a câmaras municipais vizinhas. Entre todos eles, foram muitos os que ganharam. Ou seja, apesar da lei, as suas redes de poder permanecem montadas e operacionais. Em 2017 estarão de regresso. Afinal este mandato autárquico será apenas um breve interregno.
2. Durante a campanha eleitoral, foi irresistível a tentação de tornar estas eleições autárquicas uma avaliação do governo. Todos os partidos da esquerda o fizeram, e portanto todos assumiram que, apesar da importância que atribuem a estas eleições, têm a cabeça na Assembleia da República. Nos partidos da extrema-esquerda a situação é clara. Indiferente ao seu desempenho eleitoral e mantendo uma tradição antiga, o PCP proclama-se vencedor do acto eleitoral - porque os comunistas ganham sempre. E, claro, exige a demissão do governo. Naturalmente, o Bloco de Esquerda faz o mesmo. De resto, anunciou-o com mais de 15 dias de antecedência, como quem assume que, corra como correr, a irrelevância autárquica do BE obriga a extrapolar os resultados para a política nacional e contra o governo.
No PS tentou-se o mesmo, só que com muito mais a perder. Ao transformar este acto eleitoral num escrutínio ao governo, António José Seguro sujeitou-se ao escrutínio das suas alternativas. Por isso só uma vitória categórica seria suficiente. Até porque, para os socialistas, no meio de tantas dúvidas, uma certeza prevalece há muito: ganhando ou perdendo, António José Seguro seria alvo de contestação interna. Primeiro, porque não há resultado eleitoral que satisfaça os críticos, que preferem ver António Costa no seu lugar. Segundo, porque fez o PS partir em desvantagem ao rejeitar candidatos com mais de três mandatos consecutivos. Uma aposta de risco, talvez com a esperança de que o Tribunal Constitucional impedisse as candidaturas dos veteranos. Terceiro, porque deu às estruturas locais do PS a possibilidade de escolher os candidatos autárquicos. Facto que, consequentemente, fez com que o partido fosse a eleições com várias figuras de segunda linha.
Estas tentativas da esquerda foram vãs. Nem o eleitorado é estúpido para confundir o que é local com o que é nacional, nem o governo alguma vez estaria com a sua legitimidade dependente do resultado destas eleições autárquicas (ou das europeias do próximo ano). É, aliás, impensável que, nas circunstâncias em que vivemos, o governo alterasse o seu rumo porque o PSD perdeu umas câmaras municipais.
Assim, por mais que o PS exiba a sua irresponsabilidade, afirmando nesta campanha que com o PS no governo não haveria cortes na despesa, o que é verdadeiramente relevante para o futuro do país mantém-se inalterado. Daqui a 15 dias, a proposta de Orçamento do Estado para 2014 será entregue, as avaliações da troika estão por concluir, o programa de ajustamento dura até Junho de 2014 e há ainda reformas por fazer para garantir as melhores condições para um regresso aos mercados e evitar um segundo resgate.
O que está em jogo é tudo. Por isso, regresse-se à realidade antes que seja tarde de mais.

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