O detestável regresso às aulas

    Inês Teotónio Pereira
    Ionline, 2013-09-14

Voltar à escola é uma coisa séria, chata, responsável e muito pouco lúdica. E toda a gente sabe
A pior altura do ano é o regresso às aulas. É no mínimo neurótico. Detesto. E até os anúncios do regresso às aulas me irritam. São uma espécie de piada de mau gosto: anunciam este malfadado regresso como se estivessem a anunciar uma viagem à Disneylândia. Como se comprar canetas e lápis fosse tão excitante e emotivo como descer a montanha russa. Dão a entender que a escola e toda a logística que implica regressar à escola é uma coisa divertida. Muito melhor e mais divertido do que as férias, a praia, etc. Só podem estar a gozar. Qualquer dia temos as agências de viagem a anunciar promoções no regresso às aulas como se ir à escola fosse uma viagem a Cabo Verde.
Voltar à escola é uma coisa séria, chata, responsável e muito pouco lúdica. E toda a gente sabe. Por isso não entendo as caras sorridentes dos meninos dos anúncios a comprarem mochilas e a felicidade dos pais a pagarem a conta. Não é sério.
Já na altura em que era eu a regressar à escola não percebia os coleguinhas que chegavam das férias radiantes a exaltarem o cheiro dos livros e dos cadernos novos. Como se o cheiro atenuasse a neura. Se é pelo cheiro, é bem mais divertido passar a tarde numa livraria a cheirar livros. Sempre achei que quem gostava de regressar à escola não tinha tido umas boas férias. Quem tem umas grandes férias quer continuar de férias, não quer ir à escola. É simples.
Mas o pior do regresso às aulas não é o regresso propriamente dito. Esse é fatal como o destino e é tão certo quanto o nascer do Sol. O mais incomodativo são os preparativos, o anúncio da coisa. A véspera do regresso sabe ao mesmo que o fim do dia do domingo no Inverno - não há nada mais triste que o fim de um fim-de-semana de Inverno.
A lista de material. Começa logo aqui, com a malfadada lista de material. Estas listas deviam ser proibidas ou então só devia existir um exemplar de material e apenas um: um tipo de lápis, um caderno universal, dossiês todos iguais, etc. Tipo União Soviética: não há por onde escolher. Há material único e não se fala mais nisso. Agora a especificação e a variedade matam-me. Comprar um estojo ou um lápis não é fácil. Ele há lápis HB, 2B, 6H, como se as criancinhas fossem montar um ateliê de arquitectura. E os cadernos? As combinações de características são infindáveis. Ninguém vai simplesmente "comprar um caderno". Ele pode ser A5, A4, de capa dura, liso, com bonecos, com argolas, com picotado. Há de tudo. Mesmo tudo.
Mas o pior são os livros. Apesar da internet, das alterações do sistema de ensino, dos métodos pedagógicos, das metas curriculares e de todas as modernices que atacaram ensino, continuamos a teimar nos livros. Manuais, livros de fichas, cadernetas, livros de autocolantes, anexos. É patético. Não existe um livro de Matemática: existem vários que estão todos agregados a uma colecção compilada de anexos que podia perfeitamente sair com um jornal semanário - mas um semestre não tem semanas que chegue para oferecer tudo aquilo. É ridículo. Ridículo e doloroso, porque são centenas de euros que se gastam e nem metade daquilo que se compra é utilizado. Os livros deviam ser banidos do regresso às aulas. Na melhor das hipóteses deviam ser disponibilizados aos alunos ficheiros em PDF para quem os quisesse consultar ou imprimir e as escolas que disponibilizassem sebentas e uma bibliografia para cada disciplina. Se é assim na faculdade porque não pode ser na escola? As fotografias dos manuais e a informação inútil em cada livro são mais que a informação inútil nas revistas sociais. Este ano forrei 63 livros. Odeio manuais.
O regresso às aulas cheira a Inverno apesar do sol radiante. É neurótico. Amanhã vou à praia esquecer que os meus filhos regressaram às aulas e esquecer as centenas de euros que já gastei nesta triste viagem.

Comentários

RSR disse…
Não acho nada! Tirando a fortuna que se gasta, a volta às aulas sempre foi uma coisa boa cá em casa. Mais um ano para aprender e saber coisas novas, fazer novos amigos e resolver problemas.
Acho que se pode passar por isto tudo com gosto, sempre me diverti com os meus 3 filhos a comprar material - procurar o bom e mais barato, deixá-los escolher, ter as coisas que precisam (nem sempre as que gostariam e que são muito mais caras), etc. etc. -.
Ver as aulas como uma coisa boa ajuda os miúdos a gostarem de estudar - meio caminho andado para aproveitarem tudo o que a escola lhes dá.
Hoje já estão todos grandes e posso atestar que não foi nada má esta atitude alegre com a volta às aulas e com a escola. São todos alunos acima da média, o que tem calro um pouco do factor sorte mas lá em casa a escola nunca foi uma seca.
Anónimo disse…
Também penso que o regresso às aulas não tem de ser totalmente dramático! Lembro-me que em pequena sempre gostei das férias grandes e que me sentia talvez infeliz apenas na véspera de começar as aulas mas depois, o reencontrar os amigos de escola, as brincadeiras nos recreios, tudo isso tornava o regresso à escola divertido e sabia bem voltar a ver os colegas e contar as respectivas férias. Agora como Mãe, concordo que dá muito trabalho e gasta-se muito dinheiro inutilmente em Manuais que trazem agregados Cadernos disto e daquilo e em material embora quando os nossos filhos entram para os Liceus ou Escolas públicas, a lista de materiais não é tão exigente e infindável como nas escolas privadas por onde eles andaram anos atrás...Consegue-se perfeitamente comprar o que é realmente necessário e escolher os preços mais acessíveis.E não há dúvida, por mais que os nossos filhos refilem na véspera do começo das aulas, gostam verdadeiramente de reencontrar os amigos e adaptam-se rapidamente ao ambiente escolar. Faz parte da vida deles e é bom que eles se sintam animados e com vontade de aprender e aqui os Pais deverão estar em sintonia com eles para que tudo corra bem, sem neuras...Os meus filhos encararam sempre assim o início no ano escolar, foram sempre muito bons alunos e sobretudo alegres vendo a Escola não como um castigo mas como uma coisa positiva!

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