Beato Francisco: o segredo é Deus

Ecclesia, 080611
Padre Jacinto Farias

No princípio ele não viu nem escutava nem percebia nada do que se passava... acabou por compreender tudo
.A beatificação dos pastorinhos, Francisco (1910-1919) e Jacinta (1910-1920) no dia 13 de Maio de 2000, em Fátima, por João Paulo II, coroou o processo de recepção do mistério de Fátima, onde se concentra o essencial da mensagem e da espiritualidade dos pastorinhos, cuja explicitação conhecemos pelos escritos da Irmã Lúcia, especialmente as Memórias, e pelo texto inacabado que nos deixou – Como vejo a Mensagem.A espiritualidade dos pastorinhos é um simples comentário ao Evangelho, tanto na vivência da penitência, da oração e do sacrifício em reparação pelos pecados cometidos contra Deus, quer pela experiência religiosa da presença de Deus, traduzida na atmosfera do sobrenatural em que se sentiam mergulhados, quer muito particularmente na experiência do reflexo de luz, nas aparições de Junho e de Julho. E foi no envolvimento daquela luz que eles escutaram a revelação do segredo.Segundo a Irmã Lúcia, a reparação é o termo que diz o essencial da espiritualidade de Fátima e da mística dos pastorinhos, onde se escuta, quase em surdina, aquela exclamação de S. Francisco – o Amor não é amado —, ou outra, mais recente, transmitida por Santa Margarida: Eis o Coração que tanto amou os homens e que não é correspondido…A Irmã Lúcia testemunha nas Memórias até que ponto os pastorinhos interio-rizaram a espiritualidade da reparação: Consolai o vosso Deus pedia-lhes o Anjo!... Aqui está uma característica essencial da teologia da reparação, e que constitui para muitos dos nossos contemporâneos o paradoxo se não mesmo o escândalo de Fátima, mas que é, afinal o escândalo e o paradoxo do cristianismo enquanto tal, que vive da inspiração do mistério da Cruz…, aquele divino morrer de Amor!...Ora tudo isto aconteceu especialmente em Francisco. No princípio ele não viu nem escutava nem percebia nada do que se passava. Depois, começou a ver, mas não ouvia; e, finalmente, acabou por ver e ouvir, e compreender tudo.A partir da visão do Inferno, na aparição de 13 de Julho, começa a perfilar-se nele toda a sua identidade espiritual, concentrada na oração de silêncio, na adoração eucarística e na contemplação interiorizada do mistério da Santíssima Trindade.Ele gostava de se retirar sozinho para a Igreja e aí ficar, escondido junto ao sacrário, a fazer companhia a “Jesus escondido”. Mas a característica mais evidente da mística do pequeno pastor era decididamente trinitária. Ele sentia-se totalmente penetrado até ao mais fundo do seu ser pelo reflexo de luz que saía das mãos de Nossa Senhora, e esta luz era Deus. Ele dizia: gostei muito de ver o anjo! Gostei ainda mais de ver Nossa Senhora! Mas do que gostei mesmo foi daquela luz que nos penetrava no peito, na qual nos víamos como no melhor dos espelhos! E essa luz era Deus! Este é o nosso segredo: não o podemos dizer a ninguém!Para o Francisco, o segredo estava todo aqui, nesta inefável experiência do sobrenatural da qual não podiam falar, por exceder todas as palavras!... Sentia-se tão profundamente tocado pelo mistério de Deus que a visão do inferno mesmo assim não o impressionou, e no fim já sentia, nos momentos finais da sua tão curta vida, totalmente esquecido e mergulhado no mistério de Deus, que não pensava em mais nada. Um dia respondeu a Lúcia, que lhe recomendava qualquer coisa para quando estivesse junto de Deus, dizendo que isso pedisse a Jacinta, que ele com certeza íria esquecer-se!…Estamos aqui em presença de algo impressionante, na história da santidade: como é que simples crianças – o Francisco tinha 9 anos – percorreram tão rapidamente o caminho da maturidade espiritual que caracteriza os santos, e como tão livre e generosamente corresponderam aos apelos de Deus que eles reconheceram na verdade da aparição! … onde se concretiza a afirmação evangélica, de que só entra no reino dos céus quem se fizer como as crianças!Numa sociedade e numa mentalidade, como a de hoje em Portugal, que está organizada, política e economicamente, de um modo que não favorece nem as crianças nem as famílias — talvez seja urgente para o que resta de boa vontade entre nós, pensar a sério nas crianças, — que nascem e as que ficam por nascer —, podem fazer pelo presente e pelo futuro, e como ele seria diferente se cada homem se deixasse interpelar por um pensamento divino que o precede, como fizeram os pastorinhos, como fez o Francisco!Mesmo depois dos 91 anos, o segredo de Fátima está ainda por cumprir…
José Jacinto Ferreira de Farias, scj


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