Vimos e ouvimos. Disso damos testemunho?


Joao Soalheiro, Agência Ecclesia, 080527

Quatro jovens, postados à entrada de um centro comercial mantêm um diálogo que me prende a atenção: «... até acredito que tenha existido um judeu chamado Jesus Cristo e que tenha sido crucificado, agora que fosse Filho de Deus, isso não acredito!» Outro acrescentava: «... eu fiz a primeira comunhão e tudo isso, por causa dos meus pais, mas não acredito em Deus». Para emendar, de um jacto: «Quer dizer, até acredito num ser superior, numa força espiritual, mas não acredito num Deus como o dos cristãos, feito de carne e osso para salvar a humanidade». E o diálogo, aliás muito vivo e genuíno, lá continuou, por entre plurais repúdios de fanatismos, com referenciação das seitas à cabeça, até se esfumar no percurso da rua, que apenas acompanhei com o olhar do coração.

Fim de uma Eucaristia, hora de dispersão e de conversas acaloradas, tendo por assunto uns avisos feitos, havia pouco, pelo pároco. No meio de um cortejo de desaprovações - estaria em causa um qualquer costume entranhado, posto em questão - solta-se, entre tantas, uma expressão já clássica: «Eu cá tenho a minha fé», como se essa fosse a última barricada contra as novidades atentatórias de um legado recebido.

Duas situações reais, testemunhadas por quem escreve estas linhas. Que talvez possam ser multiplicadas, sem adaptações de monta, por aqueles que as lêem.

Não sei quantas vezes, na minha ainda curta idade, terei calado as dúvidas de uns e vestido as certezas de outros. Mas foram muitos os dias em que a minha oração se ficou por um trémulo apelo: «Não permitas, meu Deus, que abandone a fé dos meus pais!» De facto, a fé dos meus humildes pais é essencialmente apostólica, como o foi a fé dos seus maiores. E remontando de geração em geração ouço hoje, com a frescura da primeira vez, o testemunho daqueles que partilharam com Jesus de Nazaré o pão e as lágrimas, nem todas vertidas sob o signo da dor: «Vimos e ouvimos». São eles que me garantem que esse Jesus encarnado era verdadeiramente o Filho de Deus.

A «minha fé» até pode ser mais ilustrada, por catequese e magistério universitário, mas será, por certo, bem mais débil que a dos meus queridos pais. Só sei que através deles, e apesar dos meus muitos limites, ela será sempre herança dos que testemunharam com alegria o que «viram e ouviram». E, também por isso, pesem todas as provações, há-de permanecer uma fé radicalmente apostólica. Como não estou sozinho nesta verdadeira aventura, atrevo-me a escrever: vale a pena cuidar um tal legado, pulsante de vida; e vale a pena fazê-lo com inteira liberdade e com empenhada responsabilidade! Mesmo num tempo cada vez mais marcado pela precaridade de todos os vínculos.

João Soalheiro


Editorial | João Soalheiro| 27/05/2008 | 11:08 | 2690 Caracteres | 342 | Pastoral Juvenil

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