A economia portuguesa não é amiga das crianças e das famílias

Mário Leston Bandeira

PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃOPORTUGUESA DE DEMOGRAFIA

DN080530


Desde 1918 que Portugal não registava um saldo natural negativo. É uma tendência do século XXI?

E em 1918 morreram 135 mil pessoas devido à pneumónica. É verdade que estamos num processo de declínio demográfico, inevitável desde 1982, ano em que a substituição de gerações deixou de ser assegurada em Portugal. Entre 2000 e 2005, parecia que o índice de fecundidade iria estabilizar-se nos 1,5 filhos por mulher em idade fértil, mas a partir de 2006 as coisas começaram a piorar.

E temos a taxa de natalidade mais baixa da UE...

O ano passado, pela primeira vez, passámos a pertencer ao grupo dos países que tem um índice de fecundidade de 1,3, que é o clube a que pertencem os países da Europa do Sul (Espanha, Portugal, Itália e Grécia) e da Europa de leste. E a situação demográfica portuguesa não vai melhorar nos próximos tempos.

Como é que tem tantas certezas?

As mulheres têm menos filhos e cada vez mais tarde. Houve uma evolução muito rápida nos últimos anos ao nível do aumento da idade em que se tem o primeiro filho, agora situado nos 28 anos. E esta é uma situação absurda em relação à prática habitual no País. E uma mulher que tem o primeiro filho aos 28 anos tem menor probabilidade de ter um segundo filho.

Mas quais são as razões para que isso aconteça?

As razões são sobretudo económicas, mas também existem causas sociais e culturais. São cada vez mais difíceis as condições para que os jovens obtenham uma maior estabilidade económica. E isso tem consequências ao nível da nupcialidade e da natalidade.

As pessoas também se casam menos e cada vez mais tarde.

Essa é outra tendência da actualidade. E, pela primeira vez, há uma minoria de primeiros casamentos comparativamente aos segundos e terceiros casamentos. Isto remete para uma questão fulcral que é a dificuldade que os jovens têm em constituir família. E o facto de não haver mais casamentos não é compensado pelas uniões de facto. Não é como acontece na Suécia, onde há um maior número de nascimentos fora do casamento. O que quer dizer que em Portugal há uma crise das condições de vida, de que possam resultar nascimentos de crianças.

Como é que se pode inverter estas tendências demográficas negativas?

É muito complicado. Os subsídios de natalidade podem ter alguns efeitos marginais, nomeadamente nos grupos sociais mais desfavorecidos, mas não resolvem. Vivemos numa sociedade que não é muito favorável à procriação. Os salários são baixos, as condições de vida são difíceis. A economia portuguesa não é amiga das famílias e das crianças.

Como é que se pode actuar nessa área?

O Governo devia ser mais exigente na aplicação das disposições legais que impedem a discriminação das mulheres grávidas, por exemplo. Em Portugal, há empresas que continuam a despedir grávidas e a penalizar as mulheres que têm filhos. Como é que isso pode acontecer?

Os portugueses têm que passar a reivindicar o direito à procriação?

A questão é que os casais são livres de decidir se querem ou não ter filhos, mas não têm condições para o poderem decidir sem limitações. Têm que ser criadas condições de vária ordem, económicas, sociais e políticas, que permitam que seja reconhecido na prática o direito à procriação.

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