Beber vinho é pior do que injectar heroína?

Beber vinho é pior do que injectar heroína?
PÙBLICO
15.05.2008, José Manuel Fernandes

Ao misturar o combate ao alcoolismo e ao tabagismo com o combate ao consumo de drogas, um site infanto-juvenil do IDT envia uma mensagem errada aos mais novos
1. Quem consultar o site infanto-juvenil do IDT, entidade responsável pela prevenção do consumo de drogas, pode descobrir, a certa altura, um gráfico interactivo sobre o efeito que as drogas exercem no cérebro. Vale a pela citar três extractos.Sobre a heroína: "Os opiáceos são potentes drogas que se usam como narcóticos. Os opiáceos incluem compostos como o ópio, a heroína, a morfina e a codeína. Os efeitos mais significativos do consumo de heroína são prazer, alívio da dor e supressão da respiração."Sobre a cocaína: "A cocaína (coca) tem um efeito energético no corpo e na mente. Uma libertação intensa do neurotransmissor dopamina é a base dos efeitos produzidos pela cocaína. A dopamina ajuda a transmitir informação entre neurónios ou células nervosas."Sobre o álcool: "O álcool produz sensações de calma e relaxamento, mas também interfere com a tua memória. Afecta as tuas funções motoras, a tua respiração, o teu tempo de resposta, e também a regulação da temperatura (o teu termóstato natural) e o teu apetite."Numa outra página do mesmo site, baptizado www.tu-alinhas.pt, um quadro sintetiza o tipo de dependência que as diferentes drogas podem causar. O álcool, de acordo com esse quadro, causa dependência física e psiquíca, a cannabis apenas dependência psíquica, a cocaína não causa dependência física e o LSD causa uma "baixa" dependência psíquica e não causa dependência física.Não duvidando de que o consumo excessivo de álcool pode realmente causar uma dependência física e/ou psíquica, e que o alcoolismo até poderá ser, em Portugal, um problema de saúde pública mais grave do que os suscitados pelo consumo de drogas, a mensagem que aquele organismo público está a passar é errada. Sobretudo, porque se destina a crianças e adolescentes, que, habituados a verem os seus familiares mais velhos consumirem vinho e outras bebidas alcoólicas sem que isso, na esmagadora maioria das situações, os afecte ou atire para a marginalidade, nunca compreenderão por que motivos não devem consumir cocaína ou heroína. Na verdade, se o álcool tem sobretudo efeitos negativos sobre o cérebro, ao contrário da cocaína e da heroína, se o risco de dependência do álcool é mais elevado do que o de LSD, como podem as famílias e os educadores convencê-los de que não devem "alinhar" nos convites que lhes fazem para experimentarem drogas?Ao colocar no mesmo plano, como sucede em muitas páginas deste site, o álcool ou o tabaco e a heroína, os cogumelos "mágicos" ou as anfetaminas, os responsáveis do IDT enviam uma mensagem errada, pois tornam "normal" o consumo dessas drogas, tão normal como é normal, em Portugal, consumir álcool ou fumar. Repito: não está em causa a ciência, está em causa a equivalência moral entre comportamentos que a sociedade aceita e integra e comportamentos que a sociedade considera ilegais, mesmo não sendo já considerados criminosos. Mais: talvez o IDT deva agora explicar aos pais o que devem responder a um filho quando se servem de vinho a uma refeição e este lhes pergunta se, em alternativa, não pode snifar uma linha de cocaína. Afinal, não explica o tu-alinhas que a coca tem um "efeito energético" e o vinho "afecta as funções motoras"?2. A forma irresponsável e leviana como a Câmara de Lisboa tratou, até ao momento, as condições em que se realizará, ou não, a Feira do Livro de Lisboa mostra que não só houve gravíssimos erros de "casting" na escolha da equipa de António Costa (não lembraria a ninguém convidar para o pelouro da Cultura alguém com o currículo conflituoso de Rosália Vargas), como a edilidade e o seu presidente não perceberam que tinham de lidar de forma muito diplomática com uma situação explosiva que dura há anos: o conflito entre as duas associações que representam os editores portugueses. Se a Feira do Livro de Lisboa não se realizar não são apenas os editores que perdem (sendo que os pequenos perdem muito mais do que os novos gigantes deste sector). Perdem igualmente os leitores, que, bem ou mal, continuam a acorrer à Feira para comprarem livros a preços de desconto, tal como perdem os escritores, que vivem dos seus direitos de autor.A teimosia e os ódios existentes no sector são conhecidos há anos. Ter feito de conta que se resolviam por si e tratado o assunto burocraticamente apenas atiçou um fogo que já ardia. Haverá agora quem seja capaz de apagá-lo, em nome de todos os que gostam de livros?

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