“Quid Veritas?”


BERNARDO DO VALLE DE CASTRO     20.04.2018

Cara Catarina Marcelino,

O meu nome é Bernardo do Valle de Castro, casado, pai de três filhos.

Como a Catarina, quero ser feliz. Tenho tido a sorte de encontrar pessoas que me deram algumas ideias e, seguindo-as, posso dizer-lhe - reconhecendo o privilégio - que tenho sido profundamente feliz. Não tenho a certeza de muitas coisas, mas vivendo de certa forma, o tempo tem confirmado que alguns caminhos que arrisco percorrer me deixam verdadeiramente feliz. 

Tenho tido a experiência de que há coisas assim na vida: só arriscando vivê-las profundamente as conhecemos bem. Tão bem que essa experiência nos dá a certeza acerca delas. Através dessa experiência, vivida no tempo, posso dizer, sem qualquer pretensão, que conheço a verdade em relação a alguns assuntos.Gostava de partilhar consigo algumas ideias acerca das questões que tem defendido, particularmente nas relativas ao género.
Possivelmente não concordará, mas não queria perder a oportunidade de lhe mandar este e-mail.

Bom trabalho e bom fim-de-semana,
Bernardo do Valle de Castro

“Basta que um(a) só jovem viva este drama, para esta lei ter valido a pena!”. Está em causa a sua liberdade, a sua dignidade, a sua identidade, o âmago da sua personalidade. E que têm os outros a ver com a sua decisão – não serão obrigados a nada! 

“Basta que uma só mulher tenha salvo a sua vida, fazendo um “aborto em condições”, para esta lei ter valido a pena!”. Está em causa a sua saúde, a sua vida, a liberdade daquela senhora em decidir o rumo da sua vida, não constrangida por uma lei que a onere com um filho que deve ser amado, não suportado! E que têm os outros a ver com isso? Ninguém é obrigado a nada – só se está a dar condições a quem quer beneficiar com a lei.

“Basta que uma só pessoa esteja já “sem dignidade”, para esta lei ter valido a pena!”. Está em causa uma vida digna, sem sofrimento desnecessário, está em causa o respeito e a solidariedade pela liberdade de quem já não suporta mais viver o sofrimento diário, tão dependente de tantos…E que têm os outros com isso? Percebem lá eles o que é viver assim…

“Basta que que dois homens tenham dito o seu «Sim», para que esta lei tenha valido a pena.” Está em causa o direito a serem tratados de forma igual a todas as pessoas, a viverem um amor igual ao de qualquer outro casal, a cumprirem o desejo mais básico que todos temos. E quem têm os outros a ver com isso? Porque se querem meter na intimidade da vida de quem nem conhecem? O amor não é só para alguns!

“Basta que uma só criança tenha deixado a instituição para ser acolhida pelo pai e pelo pai, para esta lei ter valido a pena”. Está em causa um projecto de felicidade para aquela criança. E o que é que há de mais sagrado que isso? Estas crianças têm o direito a uma casa, a uma família que as ame, que as acolha, que lhes dê um futuro. E que têm os outros a ver com isso? Querem impedir que haja crianças felizes?

Todas as situações acima descritas tratam de alguns dos assuntos chamados “fracturantes” que dividem a nossa sociedade. O objectivo ao escrever estas linhas não é atacar a posição de ninguém, ou menosprezar os infinitos casos particulares de quem vive as situações acima descritas. A minha finalidade exclusiva é pensar na Verdade acerca do Homem. Tocar em qualquer uma daquelas questões é, necessariamente, tocar em pontos nevrálgicos fundamentais para todos nós, uma vez que a noção de Homem, de quem somos, da nossa identidade é – realizamos sobretudo nestes momentos – um pilar importante da forma como olhamos uns para os outros.

Tipicamente, sobre estes assuntos, a coisa faz-se por pacotes: ou se está de um lado, em relação a todas elas, ou se está do outro. De um lado, defende-se que as coisas evoluíram, que temos que nos abrir e acolher novas ideias, mais tolerantes, para ir ao encontro da igualdade e da liberdade totais – defende-se que há que ter misericórdia dos casos concretos de quem sofre e vai finalmente beneficiar com estas leis. Do outro lado, estão aqueles que não aceitam todas as aberturas, e que dizem que há limites à liberdade, opondo-se às leis, mesmo quando estas não os afectam directamente e se destinam exclusivamente a regular a vida de outras pessoas – apelam à misericórdia em relação a um certo conceito de Homem.

Em relação a todas estas questões, nunca haverá convergência de opiniões, é sabido. E a tendência da sociedade ocidental tem sido aprovar gradualmente todo o pacote. Isso faz sentido, tendo em conta a ideia que a sociedade moderna tem do próprio Homem. Pretender convencer alguém de uma ou de outra posição, é pretender definir o Homem. Haverá, portanto, dois entendimentos radicalmente diferentes do que seja Pessoa, segundo os quais, de um lado, toda a liberdade subjectiva é legitimada, desde que não prejudique ninguém, ao passo que no outro lado existem limites à regulação da liberdade – mesmo subjectiva – que se possa dar às pessoas. Dependendo, então, da ideia que se tenha de Homem, todos vão defender posições que acham justas, invocando valores justos. 

É possível estarem as duas posições correctas? Não. Partamos de duas definições de Homem, tendo em conta as posições que assumimos em relação àquelas questões fracturantes:
1. De um lado, o Homem é o conjunto dos seus desejos (de igualdade, de liberdade, de felicidade, etc…), cujo limite único aceitável, em teoria, é a esfera da liberdade dos outros. Qualquer obstáculo à concretização desses desejos é um travão à realização individual, devendo, portanto, ser eliminado. É por isso que se sustentam todas as leis ditas “modernas” – têm com objectivo eliminar esses obstáculos herdados pela tradição, essencialmente cristã.* Nesta concepção, não há nenhum limite extrínseco à liberdade do Homem, além do ponto de intersecção com a liberdade do próximo.
2. Do outro lado, o Homem é o conjunto dos seus desejos (de igualdade, de liberdade, de felicidade, etc…), limitados pela existência de uma noção concreta de Bem e de Mal que balizam cada escolha que faz. Quem decide, então, o que é o Bem ou o Mal perante cada situação concreta? A Razão. Bem utilizada – acreditam – a Razão livre chega à Verdade, em relação a cada situação. O Homem guia-se por uma Verdade que lhe é extrínseca, aceita submeter-se a ela, obedecer-lhe. Parte-se do princípio – nada chocante para quem defende esta ideia – segundo o qual, em relação a todos estes assuntos há uma Verdade que limita a nossa acção.
Põem-se imediatamente vários problemas: porque é que a Verdade de quem não concorda com estas leis é mais verdade que a dos que as propõem? Por outro lado, serão os casos individuais que, por nos causarem compaixão, tornam verdadeira e boa aquela situação? É pelo facto de alguma autoridade iluminada o afirmar, que a questão polémica fica resolvida? É que nos dois lados há casos particulares a darem razão às posições, em todas as questões fracturantes; nos dois lados, há autoridades que emitem os seus juízos definitivos. 

A Verdade é, então, inalcançável? Não. Haverá argumentos que definitivamente resolvam a questão? Se pretendermos um raciocínio de certeza matemática: também não. A questão é que hoje é negada qualquer verdade que não seja matematicamente, cientificamente argumentável. É por isso que, quanto a todas as questões fracturantes, “Basta que exista um só caso”, como referia o início do texto, para se considerarem aquelas novas leis plenamente justificadas. Matematicamente, aquele caso é o suficiente.

Mas esta lógica do “apenas é verdade o que é matematicamente comprovável” falha: porque para a maior parte das questões importantes da nossa vida não nos bastam os raciocínios matemáticos: o dia-a-dia do meu casamento com a minha mulher dá-me a certeza do seu amor por mim. Posso provar matematicamente o seu amor? Não, mas posso afirmar com certeza que ele existe. A minha razão, olhando para as experiências diárias de amor que a minha mulher me tem, reconhece nesta realidade a verdade do seu amor por mim. 
Tomando o exemplo da verdade do amor da minha mulher por mim, posso generalizar e dizer que a Verdade é a conformidade daquilo que é pensado com a realidade. A natureza da realidade permite à Razão chegar à Verdade. 

A questão é que a demonstração disto não é matemática. Saber a Verdade – mesmo quanto às questões fracturantes – exige um debruçar sobre toda a realidade, sobre o Homem em todas as suas mais profundas dimensões, impõe que tudo seja tido em conta: não só o desejo de felicidade da pessoa, mas também a Verdade sobre a Felicidade daquela pessoa, mesmo que esta Verdade não corresponda ao que a pessoa julga melhor para si. Só é possível usar livremente a Razão se amarmos mais a Verdade que a nossa ideia sobre ela. 

“Quid Veritas?” – “Ecce Homo!”

*É, por isso, que nesta discussão, há uma regra: nunca se pode invocar o nome de Deus. Pretender invocar o nome de Deus aqui é batota. É o equivalente à carta “Vá já para a prisão” – é-se descredibilizado por dogmático intolerante e a discussão acaba porque se perde logo.

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