Um Tsipras alternativo

JOÃO CÉSAR DAS NEVES
DN 2015.07.22

Numa profunda crise, que mudou o panorama político, chegou à chefia do governo um pequeno movimento da extrema-esquerda. O executivo durou meses, mas o primeiro-ministro, entretanto expulso do partido que fundara, lideraria durante anos um governo de unidade nacional apoiado pela direita. Alexis Tsipras na Grécia actual? Não, Ramsay MacDonald na Grã-Bretanha há mais de 80 anos.
Temos sempre a sensação de viver situações inéditas e dramáticas, mas, apesar das inevitáveis diferenças, os paralelos históricos ajudam a entender a realidade e, sobretudo, evitar pânicos e acalmar nervosismos.
A Grécia vive situação trágica, com desemprego de 27% e queda acumulada do produto acima de 25%. Apesar de devastadora, a conjuntura é muito melhor do que aquela que a generalidade dos países europeus sofria há cem anos. Hoje, no tempo dos telemóveis e das redes sociais, fazemos um drama por coisas que não impressionariam os nossos bisavôs. O mundo acabava de sair da Grande Guerra, o confronto mais mortífero de que havia memória. A confusão era geral na Europa, com reviravoltas no espectro político. Até na sofisticada Albion os acontecimentos ofuscam a presente situação helénica.
O Parlamento britânico era há décadas dominado estavelmente por dois grandes partidos, Conservador (torie) e Liberal (whig). Logo nas eleições de 14 de Dezembro de 1918 ganhou notoriedade uma formação extremista ligada aos sindicatos, o pequeno Partido Trabalhista (labour). Fundado em 1900, nunca atingira os 8% dos votos até, inesperadamente, saltar em 1918 para 20,9% e 30,5% em 1923. Esta evolução é muito mais rápida e expressiva do que a ascensão de qualquer dos extremistas actuais, que tanto tem excitado os nossos analistas. Por exemplo, a assustadora Frente Nacional francesa de Marine Le Pen teve 13,6% nas últimas legislativas, em 2012; o Syriza chegou ao poder na Grécia em 2014 com apenas 26,6% e o UK Independence Party, alegadamente revolucionário, só conseguiu 12,6% nas eleições gerais britânicas de Maio.
O sucesso trabalhista no pós-Primeira Guerra não foi pontual. Nessas eleições, de 6 de Dezembro de 1923, a formação ultrapassou o Partido Liberal para se afirmar definitivamente como uma das duas grandes forças políticas nacionais. Nascia há 92 anos o quadro que agora se diz ameaçado.
Embora eleitoralmente atrás dos conservadores, os trabalhistas chefiaram então um executivo efémero e minoritário, de Janeiro a Novembro de 1924. O lugar de primeiro-ministro coube ao seu fundador, e líder desde 1922, James Ramsay MacDonald (1866-1937), inexperiente em funções executivas. O choque foi enorme, muito mais inesperado e perturbador do que qualquer coisa que hoje se veja na Europa. Operários a pisar os tapetes de Whitehall e Buckingham Palace era inconcebível!
A experiência foi curta, mas exorcizou fantasmas no Parlamento, no eleitorado e nos próprios trabalhistas. Nada como uma experiência de poder para incutir pragmatismo e bom senso político. Afinal, e apesar da retórica inflamada, os trabalhistas eram seres humanos como os outros, políticos normais que lidavam com os graves problemas nacionais como eles eram.
Cinco anos depois, a 29 de Junho de 1929, de novo em segundo lugar com 37% dos votos, o partido voltaria a formar governo minoritário, de novo com MacDonald à cabeça. Só que logo após o Verão dava-se o crash da bolsa e começava a Grande Depressão. O executivo esquerdista viu-se na necessidade de aplicar forte austeridade, extremamente controversa mesmo na equipa ministerial. Como na época não havia ajuda externa, a Grã-Bretanha suportou aquilo que os gregos hoje nem imaginam.
A contestação acabou por conduzir à demissão do governo em Agosto de 1931. Mas, a pedido do rei, MacDonald aceitou chefiar um gabinete de unidade nacional, com conservadores e liberais, que o manteria no poder de 24 de Agosto de 1931 a 7 de Junho de 1935. Acusado de traição pelos correligionários (como Tsipras, após o acordo com a UE), MacDonald seria expulso do seu partido, a 26 de Setembro, dias depois de tomar posse. O resultado foi a cisão dos trabalhistas, com o político a formar e liderar o seu segundo partido, o National Labour, dissolvido em 1945, dez anos após o fim do executivo e oito após a morte de MacDonald.
A lição desta comparação não é que os extremistas não são perigosos. Por essa altura, Adolf Hitler chegou ao poder com 33,1% nas eleições de 6 de Novembro de 1932. É antes que nos momentos de crise, que acontecem a todos, a diferença vem da solidez do tecido cultural e social.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

OS JOVENS DE HOJE segundo Sócrates

Hino da Padroeira

O passeio de Santo António