A empregabilidade não é tudo no Ensino Superior

Alexandre Homem Cristo
Observador 20/7/2015

Por quatro razões, sobrevalorizar a importância da empregabilidade no ensino superior pode trazer mais prejuízos do que benefícios. E, ironia, pode até ser forma de acabar desempregado

Inicia-se hoje a época de candidaturas ao ensino superior e, lendo os jornais, a questão que ocupa o país é a da empregabilidade dos cursos. Faz sentido esta obsessão nacional, que elevou a entrada no mercado de trabalho como factor de aferição da qualidade dos cursos? Acho que não: a empregabilidade é importante mas a forma excessiva como tem sido valorizada pode tornar-se contraproducente nas escolhas dos jovens, por quatro razões.
Primeiro, porque esta obsessão assenta no percepção errada de que, hoje em dia, quando todo o cão e gato tem uma licenciatura, os jovens se formam no ensino superior para permanecer desempregados. A verdade é que os dados dizem algo completamente diferente: estudar no ensino superior compensa sempre em termos de empregabilidade. Veja-se que o número de empregados com licenciatura sobe constantemente e que, até durante o pico da crise (entre 2011 e 2014), aumentou o número de licenciados empregados, enquanto diminuiu acentuadamente o emprego para a população pouco qualificada (gráfico 1). Existe, obviamente, desemprego entre os licenciados, mas sempre de duração mais curta e sempre em taxas inferiores quando comparadas com a média nacional e com a população menos escolarizada – em 2014, por exemplo, o desemprego entre licenciados foi de 10% e a média nacional de 13,9%. Por fim, é igualmente factual que, ao longo da vida, as remunerações de um licenciado superam largamente as de quem, por exemplo, apenas completou o 9.º ano.
Naturalmente, diferentes áreas de formação oferecem diferentes oportunidades de acesso ao mercado de trabalho, e é por isso que a empregabilidade é tão comparada entre cursos e que os jovens são tão pressionados a escolher em função dessas comparações. Isso leva-me à segunda razão pela qual essa pressão pode ser contraproducente: ela restringe a liberdade de escolha dos jovens. Existem diversos factores que, para além da empregabilidade, podem ser tidos em conta no momento de escolher um curso superior – vocação para determinada área de estudos, qualidade do corpo docente, parcerias institucionais das universidades, perfil dos estudantes no curso, entre outros. Hoje, essa informação está disponível (por exemplo, no portal InfoCursos) e espera-se que, através dela, seja cada jovem candidato a decidir o que mais valoriza e a escolher livre e conscientemente. Ou seja, não se tem de fugir dos cursos de Letras só porque têm menor empregabilidade: quem os quiser frequentar que o faça assumindo a responsabilidade de escolher um caminho mais difícil, no qual os rendimentos e a empregabilidade são geralmente mais baixos do que nas áreas científicas.
A terceira razão que me leva a considerar prejudicial esta sobrevalorização da empregabilidade é que esse indicador dá falsas garantias, pois está preso ao presente e nada diz sobre o futuro. À velocidade que o mundo muda, é impossível antever quais serão os desafios que enfrentaremos no futuro e que tipo de formação será mais útil para lidar com eles. Como tal, há um elevado risco de a empregabilidade presente ser má conselheira, porque gera expectativas de empregabilidade futura que poderão não se concretizar. De facto, no momento de escolher um curso, um jovem ainda tem vários anos pela frente antes de se lançar no mercado de trabalho (sobretudo se prosseguir no mestrado), e nada garante que os níveis de empregabilidade de um curso se mantenham a médio e a longo prazo. De resto, um exemplo bastante mediático dessa circunstância é o caso dos cursos de formação de professores: em poucos anos, a necessidade de contratação de professores por parte do Estado diminuiu significativamente, e a boa expectativa de empregabilidade de quem se formou nesses cursos piorou na mesma proporção.
Por fim, a quarta razão, que é a mais simples: a missão do ensino superior é ensinar a pensar, a resolver problemas e a proporcionar autonomia intelectual numa área de conhecimento – ou seja, por definição não é um instrumento ao serviço do mercado de trabalho. Isto não impede que as instituições de ensino ajudem na transição para o primeiro emprego, quer apenas dizer que existem dezenas de cursos superiores que não têm uma relação directa com uma profissão e que, no entanto, são imprescindíveis – a filosofia é o exemplo mais óbvio. E são imprescindíveis precisamente porque representam a essência do ensino superior: quem aprende a pensar adquire também as ferramentas intelectuais para estudar sozinho e satisfazer as exigências da sua vida futura. Uma coisa é preparar para a vida activa (através de ferramentas intelectuais) e outra é garantir entrada no mercado de trabalho – a primeira está ligada ao ensino, a segunda não.
Concluo e esclareço, para que não me interpretem mal. Não estou a dizer que a empregabilidade não é importante e que os jovens não devem olhar para ela no momento das decisões. De resto, não vou ser eu a dizer aos jovens para onde devem olhar – cada um, no exercício da sua liberdade e em função do que mais valoriza, deverá fazer as suas escolhas. O meu ponto é muito mais simples e directo: sobrevalorizar a importância da empregabilidade no ensino superior é tentador no curto prazo, mas pode trazer mais prejuízos do que benefícios. E, ironia, pode até ser forma de acabar desempregado.

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