Notícias da menina que chorou

Eduardo Cintra Torres
Correio da manhã 19.07.2015 

As notícias disseram que Merkel "pôs uma menina palestina a chorar". Foram imagens fortes. Num liceu de Rostock, a menina fala entusiasmada do sonho de ficar na Alemanha (embora já soubesse da decisão de repatriamento da família; as notícias ignoraram este facto). Merkel diz-lhe que "a política às vezes é dura" e que a Alemanha não pode aceitar todos os refugiados que chegam ao país. A adolescente começa a chorar. Merkel pára de falar e dirige-se-lhe para a reconfortar. O responsável da sessão intervém sugerindo que a rapariga quereria uma resposta (o que Merkel não deveria fazer, pois, não só desconhece o caso, como não poderia ali contrariar a decisão de outra autoridade do Estado alemão). Merkel responde ao responsável que agora só lhe interessava confortar a rapariga. No final, a rapariga tinha recuperado e sorria (o que a maioria das notícias não mostrou). O que ficou foi uma menina que chora perante a mulher mais poderosa da Europa. Situações emocionais, sem contextualização, conseguem derrubar nos espectadores qualquer discurso racional, como o que Merkel fez. Poderia ter sido demagógica ou até populista e antidemocrática (invertendo, ali, a decisão do Estado), mas argumentou como estadista. O episódio teve o travo da tragédia antiga, como a de Antígona, quando sentimentos e "razão de Estado" não coincidem. Hoje, com tanta TV, os políticos amaciaram o discurso e cedem à retórica que julgam ser o que a audiência quer ouvir (e é possível que Merkel o tenha feito, para a audiência alemã). Daí que as críticas se transferissem para a "falta de jeito" de Merkel. Pelas regras hegemónicas do mundo irreal da TV – o do entretenimento e reality shows –, Merkel deveria ter ali invertido a decisão do Estado e dito à menina que dava refúgio à família.  A TV procura as mais das vezes o lado emocional, incluindo na política. Isso favorece a relação com a audiência e tem um lado positivo, pois a política recai sobre pessoas, não sobre abstracções. E funcionou: dias depois, a família da menina obteve o visto.  Mas há outro lado. As notícias ignoraram o contexto factual. Segundo o Eurostat, em 2014 a Alemanha recebeu 203 mil candidatos a refugiados de fora da Europa. Portugal recebeu 440. Das suas 44 335 decisões finais sobre as candidaturas, a Alemanha aceitou como refugiados sete mil, ou 16%. Foi o país europeu que mais refugiados aceitou em 2014. Poucos? Talvez. Cada refugiado é um caso humano. E Portugal, em 2104? Portugal tomou 95 decisões: aceitou zero refugiados.  SIC: como se faz propaganda  A SIC cobre a actualidade com pluralismo, mas enviesa diariamente a favor do PS. Se o fizesse abertamente, por declaração editorial, aceitava-se, embora isso não se recomende a um canal generalista. Não. Fá-lo amiúde através de propaganda, o contrário do jornalismo. Uma notícia sobre o aumento da natalidade mudava agulhas para as medidas estatais na matéria. Afirmava, sem qualquer prova, que "os novos pais dizem que esta inversão não é graças aos incentivos do Estado" E depois? A SIC diz que "em tempo de pré-campanha eleitoral, o secretário-geral socialista, António Costa, já disse que quer alargar…", etc. E ilustrava a notícia sobre aumento da natalidade com Costa numa acção eleitoral de rua.  TVI: Santos Silva errou no alvo  Augusto Santos Silva, que foi instrumental na política de amordaçamento dos media no governo Sócrates, queixa-se de censura porque a TVI acabou com o seu comentário. Mas a TVI substituiu-o por Fernando Medina, estrela ascendente do socratinismo. A queixar-se, Santos Silva deveria fazê-lo no PS, que o encostou. 
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