A proposta do PSD de descer a TSU e contas fáceis de fazer

Público, 2011-05-11  Miguel Frasquilho
Qualquer que seja o Governo que saia das eleições de Junho próximo, ele poderá reduzir a TSU em 4 pp logo em 2012

Tem causado grande controvérsia a proposta contida no Programa Eleitoral do PSD de descer a taxa social única (TSU) em 4 pontos percentuais (pp), para 19,75%, ao longo da próxima legislatura, com o intuito de proceder a uma "desvalorização orçamental" (fiscal devaluation), reduzindo custos do factor trabalho para as empresas (sem baixar salários) num país que, como Portugal, não possui moeda própria (o que terá um efeito semelhante às antigas desvalorizações cambiais).
Perante esta ideia, que conjunturalmente será positiva para o nosso tecido empresarial, logo o PS contra-atacou, como é seu hábito, defendendo que, para viabilizar a descida desses 4 pp da TSU e manter um efeito neutral sobre as contas públicas, a taxa normal de IVA teria que ser subida em 3 pontos percentuais, para 26%. O que, de acordo com os socialistas, "teria um efeito brutal a nível do consumo em Portugal, com consequências muito negativas, não apenas do ponto de vista social, como do ponto de vista económico". Implícita na reacção do PS está, pois, a ideia que o Memorandum of Understanding elaborado pela missão de BCE/CE/FMI, apesar de referir que "(...) o Orçamento para 2012 deve incluir a recalibração do sistema de impostos, neutra em termos orçamentais, com vista a baixar os custos do trabalho e aumentar a competitividade (Outubro de 2011)" - ou seja, apoiando, ainda que de forma não totalmente explícita, a descida da TSU suportada pelas empresas -, não teria espaço orçamental para acomodar esta alteração sem outras contrapartidas. Leia-se, sem aumentos de novos impostos.
Sucede que são os próprios números que constam do acordo assinado com BCE/CE/FMI que mostram o contrário. Do quadro em anexo constam os défices públicos previstos entre 2011 e 2013 no Memorandum of Understanding, tanto face ao PIB como em valor absoluto; a poupança orçamental prevista em 2012 e 2013 tanto em termos de redução da despesa como de aumento da receita; e, na última linha, a quantificação da perda de receita decorrente de descer a TSU em 4 pp: de uma só vez, seriam cerca de 1624 milhões de euros (406 milhões de euros por cada pp). Ora, a comparação da redução do défice prevista com a poupança total resultante das medidas elencadas revela uma margem de manobra de 1937 milhões de euros em 2012 e de 479 milhões de euros em 2013 (linha (3)). O que significa que, sendo as medidas do lado da despesa e do lado da receita concretizadas como se espera que aconteça, os défices de 2012 e 2013 poderiam, mantendo-se tudo o resto constante (coeteris paribus), ser inferiores naqueles montantes aos objectivos fixados. Mas não foi essa certamente a intenção da missão de BCE/CE/FMI - antes terá sido deixar ao próximo Governo a possibilidade de lançar mão de uma recalibração do sistema fiscal que baixe os custos do trabalho e aumente a competitividade. O que os números acima mostram é que, qualquer que seja o Governo que saia das eleições de Junho próximo, ele poderá reduzir a TSU em 4 pp logo em 2012, ficando ainda com mais de 300 milhões de euros de margem... E descer pelo menos outro ponto adicional em 2013. Bem como, mesmo depois de baixar a TSU, proceder a qualquer outra recalibração do sistema fiscal também favorável à competitividade e que não ultrapasse a diferença acima referida (por exemplo, procedendo a alterações ao nível do IRC e/ou do IRS). Isto, claro, repito: concretizando a preceito as medidas do acordo assinado com BCE/CE/FMI.
Perante este quadro, não consigo compreender a posição dos que, como o PS, defendem que não é possível baixar a TSU sem aumentar a receita para além do que já está previsto no Memorandum of Understanding. São os números que o provam. Inegavelmente. Trata-se, apenas, de uma questão de contas - que, para mais, nem sequer são difíceis de fazer... Economista, ex-secretário de Estado do Tesouro e das Finanças1) Conjunturalmente, esta ideia é positiva e faz sentido, como comprova o Banco de Portugal no mais recente Boletim Económico de Primavera (páginas 41-44). Porém, em termos estruturais, é público que, desde há vários anos, a minha preferência vai para alterações fiscais que privilegiem a redução da tributação sobre o capital e os lucros. Tal deve-se à necessidade de atrairmos mais investimento (nacional e estrangeiro) e, dessa forma, aumentar a intensidade do factor de produção capital, que é intensivamente menos utilizado que o factor trabalho, como as estatísticas existentes comprovam (com Portugal a situar-se abaixo da média europeia). Em Portugal utiliza-se, assim, mais intensivamente o factor produtivo em que somos menos eficientes, devido às reconhecidas baixas qualificações existentes - o que tem contribuído para os medíocres resultados económicos que se conhecem.
Evidentemente, é desejável que o factor trabalho seja mais intensivamente utilizado, sim, mas de forma mais eficiente; contudo, para que tal seja sustentável, é fundamental e indispensável que outros factores produtivos, como o capital, sejam mais intensivamente utilizados no processo produtivo - o que levará a aumentar o crescimento económico e, com ele, o emprego, o nível de vida da população e... os salários (que, assim, terão, indirectamente, mas por certo, uma evolução bem mais positiva do que a que tem vindo a ser registada). 


 

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