Portugal desanimado

JOÃO CÉSAR DAS NEVES

DN20100118

O único real obstáculo é o desânimo.

Portugal vive um momento decisivo da sua democracia. Esta é a altura para afirmar claramente o valor do nosso regime, da economia de mercado, da participação na Europa, da cultura lusitana. Esta é a altura para proclamar os valores fundamentais que nos regem e que nos unem como povo. Precisamente porque tudo parece negar essas verdades.

O Governo é cada vez mais incapaz de compreender, quanto mais resolver, a situação nacional. A oposição revela-se inábil para apresentar alternativa credível. Os grupos de pressão fecham-se em egoísmo paralisante e envenenam a vida nacional. A classe política, degradada pela incapacidade da administração e da justiça, embrulha-se em mediocridade, dedicando-se a temas mesquinhos e abstrusos. Até a Europa anda sem rumo e o mundo, mergulhado na crise financeira, não consegue consensos cruciais.

Não admira o desânimo, desinteresse, cinismo dos cidadãos. As novas gerações queixam-se do sistema sem futuro que os pais criaram na revolução e que os condena ao emprego precário. Multiplicam-se as queixas, escândalos, intrigas, fúrias, desconfianças. Apela-se a um Salazar que venha pôr isto na ordem. Portugal está desanimado.

Isso apenas indica que vivemos um momento axial da nossa história. Temos de perceber que o desânimo, desinteresse, cinismo, por muita razão que tenham, são o único verdadeiro problema. Os Governos viram e os ministros mudam. As oposições, grupos de pressão, classe política não passam de folclore. Mesmo a crise financeira e questões internacionais são acidentes menores. Olhando a História vemos que em todas as épocas nos aconteceram coisas muito piores, que foram ultrapassadas e acabaram por desaparecer. Portugal pode vencer todas as dificuldades, menos uma: o povo desanimado.

Temos de ver as coisas como elas são. Somos hoje um país rico. Claro que temos muitos problemas, pobreza, dificuldades. Como todos os países ricos. Os que se lamentam da situação actual já esqueceram os terríveis sofrimentos do tempo da guerra mundial, mesmo sem termos entrado, e da guerra colonial, em que entrámos 13 anos. Já não se lembram das enormes crises de 1970 e 1980 e dos medos na entrada na Europa. Todas essas coisas parecem longínquas, mas as gerações anteriores enfrentaram problemas muito piores e conseguiram trazer-nos até aqui. O nosso sarcasmo e desilusão é simples mediocridade. Queixamo-nos dos políticos que são patéticos. É bom não imitarmos a sua indignidade.

Porque o problema de Portugal não se revolve nas leis e no Parlamento. A dificuldade não está no Orçamento e portarias. A solução não passa pelos programas ministeriais e debates partidários. É através da acção diária de 10 milhões de pessoas, cada uma a tentar melhorar a vida, que o País avança. Não fazendo coisas espantosas, mas simplesmente tratando da vida. Os trabalhadores trabalhando e os desempregados procurando emprego; os empresários criando negócios e os consumidores comprando produtos; os funcionários cumprindo o seu dever e as famílias crescendo. Todos enfrentando os obstáculos que os políticos criam. A vida não se resolve na política; resolve-se na vida. Se os políticos não estragarem, já não é mau.

O nosso único erro foi acreditar quando os dirigentes disseram que iam resolver tudo. Os nossos responsáveis são maus e não cumprem. Olha que novidade! Há mil anos que nunca foram bons. Aliás, comparados com o liberalismo e Primeira República, os nossos incompetentes até parecem óptimos.

Portugal não acredita no futuro. Esse é o único problema de Portugal. Hoje no mundo globalizado, de fronteiras abertas e concorrência feroz, as oportunidades estão abertas a todos os que as quiserem aproveitar. China, Índia, Leste da Europa e tantos outros lutam com confiança e força e ganham espantosamente. Portugal, ao seu nível, pode seguir o mesmo caminho. Só precisa de querer.

Precisa de trabalhar em vez de se endividar; de empreender em vez de reinvindicar; de poupar e investir em vez de esperar do Governo. O único real obstáculo é o desânimo.

naohaalmocosgratis@fcee.ucp.pt

Comentários

Mila disse…
Eu penso que o único problema, é a falta de motivações para o arranque! Os nossos antepassados, trabalhavam, lutavam, e venciam! hoje o rendimento mínimo, incute nos cidadãos a ideia de que o Estado é que tem obrigação de se preocupar com cada cidadão preguiçoso, que não quer lutar pela vida! Esse é o grande mal! Aliás a preguiça é o maior de todos os defeitos, no meu ver, pois traz consigo todos os outros. Há muito trabalho para fazer, para quem quer trabalhar! Talvez não haja muitos empregos, para todos!...Mas há trabalho!...também era preciso moral, civismo, educação etc....

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