Casamento entre pessoas do mesmo sexo - pelo referendo

Público, 20100106, Lourenço Martins

Tem havido um desejo de "matar" rapidamente uma questão que a generalidade das pessoas entende como complexa


A comunicação social tem dado conta da existência de três projectos de lei na Assembleia da República, um dos quais uma recentíssima proposta do Governo, sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, ao mesmo tempo que corre uma iniciativa popular de referendo sobre esse tema, cuja petição foi ontem apresentada.

O referendo está previsto na Constituição da República como uma expressão de pronúncia directa do povo sobre questões de relevante interesse nacional.

Mas a iniciativa popular do referendo não sobe directamente à apreciação do Presidente da República: tem de passar previamente pelo crivo do Parlamento, que, depois de a submeter a estudo, a pode aprovar ou rejeitar.

Ou seja, uma petição subscrita pelo mínimo de 75.000 eleitores pode "morrer na praia" da AR sem subir à última instância que aprova a realização de um referendo. Bem ou mal, é o regime que temos.

O que pretendemos aqui salientar é o facto de estar marcada já uma data próxima (dia 8 de Janeiro) para a discussão daqueles projectos, ainda antes de se discutir no seio da AR a viabilidade do dito referendo.

Este afogadilho em resolver o assunto é chocante e o próprio Presidente da República reagiu indirectamente ao mesmo.

Os juristas podem envolver-se na discussão da Lei do Referendo e o próprio Tribunal Constitucional já fez uma interpretação, a nosso ver literal e não substancial, sobre a influência que a petição deve ter sobre os projectos, nomeadamente, se a sua suspensão ou não, até decisão sobre o pedido de referendo.

Porém, o que importará verdadeiramente reflectir é no seguinte: então mais de 90.000 eleitores subscrevem uma petição a solicitar que sobre esta intrincada matéria o povo se pronuncie e o sistema legal permite que, entretanto, o Parlamento decida sem sequer ponderar se a questão deve ser referendada? Os mais simplistas dirão: o destino da petição está traçado, pois são os mesmos deputados que aprovam o casamento entre pessoas do mesmo sexo que vão rejeitar o referendo.

Se fosse assim, estaríamos a imaginar um estereótipo de Representante do Povo que não veria a diferença entre escolher uma solução (aliás, em tropel) e saber se existe ou não uma questão de relevante interesse nacional sobre a qual o povo deve ser consultado. E nem se diga que o facto de o partido no Governo a ter incluído no seu programa significou a adesão dos portugueses.

São conhecidas as divergências que se têm levantado em tribunais de alguns países - EUA, Canadá, África do Sul, Alemanha, etc., - e sobretudo entre as soluções legislativas: dos escassos países que têm discutido esta matéria, a maioria tem preferido a consagração de uniões civis entre pessoas do mesmo sexo, ou parcerias de vida registada, ainda que envolvendo o reconhecimento de direitos e deveres semelhantes aos do casamento.

Cada vez mais se vai entendendo que as leis devem ser interpretadas no sentido de consagrarem soluções justas. Se é assim, onde a justiça de a AR desconsiderar a discussão de uma petição de pelo menos 75.000 cidadãos eleitores para que se suscite um referendo - mesmo que o venha a rejeitar - para aprovar açodadamente uma tão controversa lei?

Pode replicar-se que o "processo" do referendo seguirá o seu curso na AR...

O que parece manifesto é que tem havido um desejo de "matar" rapidamente uma questão que a generalidade das pessoas entende como complexa, fracturante dizem alguns, digna de esclarecimento e discussão alargada, dizem os subscritores do referendo.

O apelo da Constituição à participação não serve aqui? Juiz conselheiro jubilado

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