Patriotismo remix

Público, 20091201 Pedro Lomba


O nosso 1.º de Dezembro é um feriado virtual. Como todos os feriados históricos, aliás. A data simboliza o dia que Portugal se rebelou contra o domínio filipino, quando um grupo de conspiradores foi até ao Paço da Ribeira exigir à duquesa de Mântua que abdicasse do estatuto de regente. "Vossa Realeza deseja sair por esta porta ou por aquela janela?", foi o convite em modos suaves que lhe fizeram. A duquesa optou pela porta e uma Revolução educada, como quase sempre foram as nossas revoluções, pôde começar.

O que se comemora é a independência do país contra um invasor estrangeiro. Mas, hoje, isto da independência significa o quê? Além de virtual, o feriado parece anacrónico. Já não temos nem independência, nem invasores que não tivéssemos consentido ou desejado. O sentimento de sermos independentes na política não esconde o cardápio sombrio das nossas dependências económicas. Estamos em crise e mais dependentes do que nunca do exterior, de Espanha, de quem nos der a mão. A Europa salva-nos todos os dias de um destino de maior desgraça. Neste caso, a dependência só tem sido uma bênção.

A celebração da nossa independência também não esconde as muitas dependências individuais com que cada um vive a sua vida. Em Portugal acumulamos listas indetermináveis de dependências. Dependemos do Estado e, como por cá o Estado se confunde com o Governo, estamos sempre à mercê de quem ganha as eleições. Dependemos de mil e uma leis e regulamentos e de mil e uma interpretações sobre essas leis e regulamentos, de funcionários que dependem de outros funcionários e de superiores que dependem de outros superiores, dos poderes do fisco e dos corredores sinistros da nossa justiça abstrusa e encaracolada. Basta sermos apanhados pelas malhas de um para não sabermos o que esperar. Numa magnífica entrevista ao i, António Barreto explicou o mecanismo psicológico da dependência que continua a crescer entre nós. A dependência é a incubadora do medo e do silêncio. E o medo e o silêncio são os piores inimigos duma democracia livre.

O que há para comemorar então no 1.º de Dezembro?

Há pouco tempo pus-me a pensar na seguinte pergunta: será legítimo uma pessoa gostar e defender o seu país se este, longe de ser recomendável, decente e organizado, for antes um país sem futuro, cheio de oportunistas, cleptomaníacos e governantes sem escrúpulos? Teremos algum dever moral de defender um país que parece ter sido capturado por uma rede de predadores que usa o poder em seu próprio benefício?

Para alguns a resposta é fácil: "o meu país, certo ou errado". Mas este patriotismo retórico nunca me convenceu. O patriotismo não pode ser a exaltação das virtudes de um país contra os outros, nem assistir resignado ao nosso envilecimento colectivo. Para minha informação, o meu amigo Eduardo Nogueira Pinto fez-me ver há tempos que aquela frase célebre tem uma formulação mais completa: "O meu país, certo ou errado: se certo, que se mantenha certo; se errado, que se torne certo".

Quer dizer então que a liberdade de existirmos como país não serve de nada se não formos exigentes, críticos, insatisfeitos, até que os aldrabões e os governantes sem escrúpulos saiam dos lugares que ocupam. Os conjurados de 1640 estavam descontentes com quem os governava e resolveram por isso agir. Este é o único sentido de independência que ainda nos sobra. Já que este país é o nosso, não vamos deixar que no-lo estraguem ainda mais. É uma luta permanente. Jurista

Comentários

Anónimo disse…
http://viverseixal.blogspot.com/2009/12/hino-da-restauracao-sociedade-1-de.html

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