A alegria

Público, 20091226 Luís Campos e Cunha

Qualquer organização credível, onde não campeie a corrupção, tem sido capaz de mobilizar os portugueses


Muitas coisas nos irritam, mas o apoucar dos portugueses por portugueses é do pior. Nenhum intelectual nativo, digno desse nome, perde a oportunidade de classificar os portugueses como uma cambada de invejosos, tão racistas como os piores, ou tão mesquinhos como os demais. É completamente falsa e injusta esta autoflagelação.

Nem os portugueses são tão racistas como os outros, nem mais mesquinhos que os outros povos. Há tempos, em conversa com um amigo alemão, bem mais velho e que vive em Portugal há logos anos, ele me dizia que o problema dos alemães é a inveja. O meu espanto foi ele contrastar com os portugueses, que classificava de modo bem diferente. E ele sabe do fala, porque é um grande empresário no nosso país, autodefinindo-se como sendo a sua pátria a Alemanha e Portugal o seu país, mas não deixa de reconhecer as diferenças.

Temos os nossos defeitos. Somos pouco rigorosos e pouco profissionais, não valorizamos a educação como devíamos e chegamos atrasados às reuniões. E sofremos com isso, porque a nossa falta de exigência traduz-se em níveis de rendimento e bem-estar mais baixos que os nossos parceiros da União Europeia. Pagamos o nosso desleixo.

Vem tudo isto a propósito da generosidade dos portugueses. É comovente que, numa situação de crise gravíssima, tanto económica como social e política, os portugueses sejam capazes de se mobilizar para apoiarem o Banco Alimentar contra a Fome como nunca o fizeram. E muitas outras organizações vivem da solidariedade dos portugueses: AMI, os Leigos para o Desenvolvimento, a Abraço e muitas centenas de pequenas organizações são capazes de desenvolver uma actividade de solidariedade social em tempos de crise. É reconfortante e um orgulho para todos nós.

Qualquer organização credível, onde não campeie a corrupção, tem sido capaz de mobilizar as boas vontades dos portugueses e exercer a sua acção social. Mas não é só nesta área que a capacidade da sociedade civil é capaz de se mobilizar por causas. Estou a lembrar-me da Fundação Serralves onde a sua actividade cultural, com espírito de serviço, é financiada, desde há longos anos, em larguíssima medida por privados. Com o apoio necessário e justificado do Estado, as grandes empresas e empresários generosos foram capazes de manter há 20 anos um projecto de ambição internacional no domínio das artes.

E as novas gerações são fonte de esperança.

Há uns 15 ou 20 anos qualquer professor poderia testemunhar o desinteresse dos jovens alunos por tudo o que se relacionava com o humano, com a solidariedade ou a interajuda. Tudo mudou e para melhor. Contrariamente ao que se passava há 15 anos, a nossa juventude actual está muito aberta e mobiliza-se para o apoio social. Vai para Moçambique no Verão dar aulas e tomar conta de miúdos com sida; mobiliza-se para angariar apoios aos mais necessitados; é capaz de apoiar um colega em dificuldades. Tudo isto posso testemunhar e tudo isto é novo e é fonte de esperança. Integrada em organizações ou em iniciativas mais individuais, é a missão e os valores que inspira e mobiliza a juventude, criando um espírito de pertença a uma comunidade com a qual se identifica.

Infelizmente (mas compreensivelmente), estes jovens não se envolvem na política e, ainda menos, nos partidos. De qualquer modo, as gerações mais recentes são diferentes e melhores.

Esta fonte de esperança não é suficiente, temos de porfiar e alimentar tais boas vontades. É apenas uma condição necessária, mas não suficiente. É também necessário criarmos uma sociedade capaz de aproveitar esta gigantesca onda de humanismo e solidariedade. É necessário que os cidadãos percebam que têm uma contribuição a dar à sociedade, com a qual se identifiquem e que por ela sejam responsabilizados. (E agora não estou só a falar para os jovens.) A capacidade para dar é uma boa nova, assim sejamos capazes de a encaminhar e ter uma sociedade capaz de a aproveitar plenamente.

Um bom período natalício e um Ano Novo melhor.

Professor universitário

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