A próxima guerra

DN20091228 João César das Neves

No seu esforço para promover consenso na cimeira de Copenhaga sobre as alterações climáticas, o primeiro ministro britânico Gordon Brown afirmou que, no caso de falhar o acordo, haveria uma «catástrofe económica sem precedentes ... equivalente a duas guerras mundiais e a grande depressão» (Telegraph.co.uk; 7:30am 16/Dez/2009). Ninguém duvida das boas intenções da frase mas, mesmo assim, o que ele disse é um enorme disparate.

O mais significativo na declaração é o grau de banalização do horror inconcebível de uma guerra mundial que manifesta. Agora uma simples questão de temperaturas é considerada semelhante aos maiores morticínios da história. Mas esta não é uma afirmação estranha e até se pode considerar bastante representativa nos dias que correm. A cada momento se ouvem paralelos com as guerras mundiais. No ano passado por esta altura todos falavam de grande depressão como algo próximo. E ainda ninguém se lembrou de notar que, afinal, as semelhanças da crise acabaram por ser mínimas.

O problema de afirmações como estas não é o seu exagero e implausibilidade. Pelo contrário, elas são irresponsáveis precisamente porque podem ter razão. Este é o modo como, passado pouco mais de meio-século, vamos descendo devagar a escada que conduz a grandes catástrofes. Depois de 1945 toda a gente dizia "Nunca mais!". Hoje começa a dizer-se que "Talvez amanhã!". Não se deve ter dúvidas que banalizar algo é promovê-lo, como acontece com a corrupção, divórcio, aborto, etc.

A ligeireza destes discursos começa por manifestar alheamento. É evidente que quem fala assim não conhece aquilo de que fala. Se tivesse presente o que realmente implicaram duas guerras mundiais e a depressão nunca as invocaria sem tremer. Paradoxalmente, enquanto as afirma próximas, a própria maneira de falar mostra como estão remotas.

Por outro lado este tipo de conversa esquece a terrível probabilidade do horror. Uma situação como a que levou às desgraças de 1805, 1914 e 1939 pode repetir-se a qualquer momento. Por isso é que estas coisas não devem ser ditas de forma tão frívola. Hoje pode parece alarmismo dizer que é mesmo possível o mundo encontrar-se dentro de anos envolvido num conflito maciço. Mas é bom lembrar que em 1800, 1910 e 1930 também ninguém acreditava nisso.

A probabilidade nasce do facto que em última análise estas coisas não se devem a homens horríveis, como Napoleão ou Hitler, mas a pessoas normais como nós que, levadas ao desespero, dão poder a homens horríveis como eles. Sempre existem personalidades sádicas, sinistras e demoníacas. Felizmente só raramente levam a uma época sádica e demoníaca.

As pessoas também esquecem que o fanatismo com que os franceses seguiram Imperador e os alemães o Fuhrer se deve aos enormes sucessos que eles conseguiram. Não foi o mal que seduziu a França de oitocentos e Alemanha dos anos 30. O caminho que conduz à calamidade global é bem conhecido. Primeiro o desespero. Depois o medo. Finalmente e definitivo, o orgulho.

É evidente que o aquecimento global, mesmo que seja tão terrível como alguns prevêem, nunca terá as consequências invocadas. Mas as crises atómicas do Irão e Coreia do Norte podem abrir a porta, como uma crise político-económica na Rússia ou China. Oportunidades de calamidade existem em todos os tempos.

Felizmente a história raramente se repete. Apesar de tolices como as referidas, o fantasma de 1939-45 ainda assombra suficientemente toda a gente para ninguém o tomar levianamente. Aliás, o mais provável é que a próxima guerra global venha de um lado inesperado, precisamente como as anteriores. Foi por não haver Napoleão que as potências entraram em conflito em 1914 e foi para evitar uma nova Grande Guerra que se apaziguou Hitler. Mas em todos os casos foi a fúria e ganância que dominaram todos os outros interesses.

O progresso e a sofisticação tecnológica não nos protegem da nossa própria crueldade. Mas ao menos garantem duas características da próxima guerra: será curta e os mais infelizes serão os sobreviventes.

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