A presença de António de Sousa Franco

Guilherme d'Oliveira Martins
Público, Cartas ao director, 20080921
No dia em que completaria 66 anos de idade, a homenagem da Câmara Municipal de Lisboa a António de Sousa Franco constitui um acto de justiça que merece destaque e que nobilita a instituição que a deliberou. A concessão do nome do cidadão e do político, do universitário e do estadista a uma artéria da cidade é uma homenagem a quem nasceu na capital e a quem amava profundamente a cidade, onde viveu sempre e em cuja Universidade Clássica se formou e fez uma carreira brilhantíssima como professor catedrático e jurisconsulto de primeiríssima água. Os seus amigos mais chegados lembram as longas caminhadas, falando sobre os mais diversos temas, e exprimindo sempre uma perspectiva enciclopédica, oportuna e pertinente e nunca meramente erudita. Desde a política internacional à economia, da história à filosofia, da política ao direito público, o mestre era sempre o mais informado e o comentador mais arguto. Era apaixonante seguir o seu raciocínio brilhantíssimo, o seu sentido de humor, de alguém que era capaz de ver sempre longe e largo. E, como seu aluno, seu assistente, seu chefe de gabinete, seu compadre e sobretudo seu amigo, não posso deixar de recordar as suas qualidades inexcedíveis de trabalho e de organização, que para mim foram um ensinamento muito marcante e decisivo, que não esquecerei - e que contrastavam com o facto de delegar sempre a resolução dos pequenos problemas práticos da intendência do dia-a--dia. Foi um professor de exemplos e de experiência e os seus arquivos pessoais são a ilustração viva do escrúpulo, do sentido de serviço público, do espírito desperto para o presente e para o futuro, com as raízes bem fundadas nos tempos antigos. O percurso cívico do professor Sousa Franco é exemplar. Foi no plano cultural uma referência de curiosidade, de exigência e de criatividade; no domínio científico um exemplo de rigor e de inovação, com uma capacidade única para relacionar saberes e para articular conhecimento e compreensão; no campo académico um esteio fundamental de organização e de capacidade estratégica (devem--se-lhe os passos fundamentais de consagração da autonomia constitucional das universidades); na esfera política soube sempre relacionar intimamente as ideias e os princípios com o culto da experiência - numa rara afirmação de coerência e de determinação; no capítulo do civismo e da cidadania activa, acreditava numa República da justiça e dos valores da dignidade da pessoa humana... Não gostava de perder tempo, era intransigente quanto à deslealdade e ao oportunismo; não aceitava a cedência aos interesses imediatos e ao populismo. Aberto, com o gosto da vida, era um conversador incansável e um cultor da amizade. Militante cristão de toda a vida, procurou sempre garantir a coerência entre fé e razão, entre pensamento e acção, entre equidade e eficiência, entre justiça e economia, entre os valores éticos e a lei. Como ministro das Finanças, foi responsável pela criação de condições para que Portugal entrasse no espaço do euro, cumprindo todos os requisitos exigidos, apesar de muitos descrerem dessa possibilidade. No entanto, foi capaz de ligar o rigor e a disciplina das contas públicas ao sentido essencial da justiça distributiva. Como presidente do Tribunal de Contas, refundou a instituição, deu-lhe prestígio, concretizou o que a Constituição da República prevê e abriu caminho a que seja uma peça fundamental num Estado de direito, com equilíbrio de poderes e com a preocupação de salvaguardar o controlo da gestão dos dinheiros públicos. Numa palavra, António de Sousa Franco é um exemplo ímpar e que deixa enorme saudade.
Guilherme d'Oliveira Martins
Presidente do Tribunal de Contas

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