«O celibato não é uma condição que predisponha à pedofilia»

FAMÍLIA CRISTà   15.10.2018

O bispo emérito de San Sebastián, Espanha, D. Juan Maria Uriarte, é um especialista no tema do celibato. Pelos estudos já efetuados, afirma claramente que não há qualquer relação entre celibato e pedofilia, mas é muito crítico em relação à forma como o celibato é vivido e ensinado nos seminários. Até porque, diz, um celibato bem vivido é uma ajuda para o sacerdote, mas um celibato mal vivido pode estragar tudo…


Há uma relação entre celibato e pedofilia?

Os estudos científicos que se elaboraram na Europa e nos Estados Unidos certificam que não há uma correlação positiva entre o celibato e a pedofilia. O celibato não é uma condição que predisponha à pedofilia. Na realidade, há um ponto que estabelece claramente que não existe correlação positiva: quando as pessoas são casadas, nas famílias, entre os educadores, existem percentagens mais altas de pedófilos e muitos mais numerosos, pelo que assumir que há relação entre celibato e pedofilia mostra uma ignorância ou uma vontade de complicar o que não é complicado.
Há quem se esteja a aproveitar deste tema, nomeadamente os que querem mudar a disciplina do celibato?
Certamente sentirão essa tentação. Depois, o desejo de mudar a lei do celibato traz uma excessiva credibilidade no que diz respeito aos possíveis motivos para a mudança do celibato. Não digo que o façam com má intenção, bom, haverá de tudo, mas não é preciso que exista má intenção, basta que as pessoas sejam favoráveis à mudança na disciplina para que as pessoas deem crédito a determinadas teses que circulam nesses ambientes, mas que estão desmentidas pelos estudos já realizados.
As questões do celibato são suficientemente explicadas na formação dos sacerdotes?
É claro que, no passado, toda a dimensão antropológica do celibato não era do domínio comum na formação que se oferecia. A própria consideração teológica e as derivações espirituais do celibato não estavam devidamente desenvolvidas. A defesa negativa era muito forte, aquela frase “com as mulheres a palavra deve ser breve e rígida”, mesmo dita por uma padre da Igreja, era muito insuficiente. Na formação atual há uma preocupação maior pelos aspetos antropológicos do celibato, por fundamentar melhor teologicamente a dimensão cristológica, eclesiológica e escatológica do celibato, por sublinhar os elementos da espiritualidade, por assumir-se a pedagogia. Mas, no meu entender, tudo isto é ainda insuficiente. A minha experiência, pelo tempo nos seminários e pelos cursilhos que fui dando no sul da Europa e na América Latina, é que há um déficit nesta formação humana, teológica, espiritual e pedagógica do celibato.


Crê que pode haver a tentação, com a diminuição do número de vocações, de não se ser tão exigente neste campo?

Sim, pode haver alguns casos desses, mas outros estarão bem imunes a essas tentações, porque já viram os efeitos. As admissões irresponsáveis aos seminários criam problemas com pessoas já ordenadas, com as quais o bispo já não sabe o que há de fazer, porque a sua recondução a uma vida espiritual e eclesial positiva e produtiva já não é possível, e por outro lado criam problemas onde estão, apenas se amarguram a si mesmos, e criam situações de ressentimento… É um problema muito grande, e por isso a escassez de vocações tem de nos fazer ter os mesmos critérios que teríamos se as vocações fossem grandes.
Mas há a tentação…
Sente-se, sim, mas quem tem estas experiências menos positivas, e muitos bispos vão tendo, resiste. Quem, talvez ingenuamente ou com o desejo de ter um número de sacerdotes elevado, talvez tenha, mais no passado que no presente, cedido a esta tentação de admitir todos. Da América Latina surgem muitas propostas de jovens que querem ser seminaristas em Espanha, e eu mesmo, quando estava no meu cargo, aprendi que a melhor maneira de reagir é não responder a estes pedidos, que têm pouco de generosos e espontâneos.
Como pensa que, de forma prática, se pode trabalhar esta questão do celibato nos seminários?
Penso que, no itinerário do seminário, faz falta um bom curso sobre o assunto, mas não apenas um curso onde se expliquem as coisas. Ter questionários que se dão aos seminaristas para que de alguma maneira se autoanalisem, e haver disponibilidade de quem dirige de receber as pessoas que se sentem tocadas pelas intervenções do diretor do curso. Tenho a experiência que, na imensa maioria dos casos, o resultado de um curso deste género é superior às expectativas. Depois, no decurso dos vários anos de formação, era preciso ir fazendo algo semelhante com cada um dos aspetos do celibato: o aspeto antropológico, cristológico, teológico, escatológico, espiritualidade. Isto feito por pessoas preparadas e num clima de diálogo e contacto e não num clima magisterial, onde há alguma distância, seria uma coisa boa. Depois, o acompanhamento contínuo, porque os cursos são algo de momentâneo, que deve ser feito pelo diretor espiritual. Este diretor deve estar preparado, porque pode, por causa de um pudor excessivo, não querer perguntar nada sobre esta temática, e às vezes o sujeito, também por um pudor excessivo, pode não comunicar o seu interior. Fazem falta pessoas preparadas, capazes de entender e acompanhar, que suscitem respeito pela sua competência e proximidade pela sua proximidade.




Continua a haver medo de falar sobre sexo nos seminários?
Menos que há uns anos. Mas há que avançar neste ponto, e os formadores, sobretudo os diretores espirituais, têm de ter maior liberdade para abordar esta temática. Se um se abre espontaneamente, muito bem, mas se um não se abre durante muito tempo… Há erupções que brotam de dentro, mas outras precisam de um impulso exterior para sair e expelir a parte negativa. Senão, criamos situações radioativas interiores, e a bolha vai ganhando pressão, e um dia estala. E quando estala já és sacerdote, e produz os efeitos que já vimos.
O que conhece da realidade portuguesa?
Eu dava Exercícios em algumas dioceses de Portugal, e já estive em formação com os formadores. Considero que o fundo religioso está mais fresco aqui que na maioria das regiões de Espanha. Aqui, mais facilmente se pode suscitar a fé. A árvore da fé não brota num local em que tenha sido desprendido das bases da fé. Nesse ponto de vista, creio que Portugal tem um fundo religioso que vale a pena trabalhar, e onde a esperança de futuro pode ser mais real e menos difícil que em determinadas e amplas regiões de Espanha.



Pode ler a totalidade da entrevista na edição de outubro da sua revista Família Cristã.

Entrevista e fotos: Ricardo Perna

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