Experiência

Miguel Tamen
OBSERVADOR | 2014.11.14

As aparições públicas de pessoas experientes são aparições em que elas, por motivos logísticos e mesmo anatómicos, não podem exercer a sua experiência.

É comum a queixa de que nos debates sobre as três áreas fundamentais da actividade humana (a economia, a educação e o futebol) a única coisa que os participantes fazem é falar. Dificilmente, no entanto, poderiam fazer outra coisa. Seria imprático e caro que tais debates fossem organizados como concursos de culinária; e fosse dado a cada concorrente tempo razoável para e.g. equilibrar o orçamento, preparar os jovens de amanhã, ou ganhar um torneio de futebol.
No entanto, ao contrário de um concurso de culinária em que podemos decidir entre várias versões de ovos mexidos, um concurso que nos permitisse mostrar a real experiência dos concorrentes nas áreas fundamentais da actividade humana só seria possível se houvesse pelo menos um mundo à disposição de cada concorrente. Com tal sistema, por exemplo, o concorrente 1 treinaria a equipa A no mundo 1; o concorrente 2 treinaria a equipa A no mundo 2; e assim sucessivamente. Por várias razões, a solução não é exequível. Como saber então que alguém tem experiência nas áreas fundamentais da actividade humana?
É convicção geral que se pode saber; e a convicção é apoiada justamente pelo espectáculo familiar de pessoas que mostram em público tal experiência, por exemplo em debates, comícios, entrevistas ou conferências. Porém, se pensarmos bem, o que essas pessoas mostram em público não pode ser a sua experiência. Excepto quando a especialidade é falar, exercer uma especialidade e falar dela é como comer e cantar ao mesmo tempo. As aparições públicas de pessoas experientes são aparições em que elas, por motivos logísticos e mesmo anatómicos, não podem exercer a sua experiência.
Quando concluímos que alguém num debate tem experiência não nos baseamos em nenhuma evidência de tal experiência, mas simplesmente no modo como fala. Seria possível, com trabalho ou astúcia, ensinar alguém a falar perfeitamente como um educador ou um economista: mas o seu modo de falar não permitiria concluir nada sobre o que é capaz de fazer. Por outro lado, em áreas menos fundamentais da actividade humana não nos preocupamos tanto com a maneira como as pessoas falam. Não contratamos um canalizador porque fala como um canalizador. Talvez por isso não haja debates públicos entre canalizadores.
Se num debate público os participantes não podem demonstrar a sua experiência, o que fazem eles? A resposta é: normalmente anunciam a sua experiência. Anunciar a minha experiência consiste em sugerir que, caso tenha feito uma coisa, sou capaz de a voltar a fazer; e que, caso nunca a tenha feito, também. A presença pública de pessoas experientes corresponde assim a uma mistura de autobiografia e profecia: serve para descrever feitos e fazer pressentir proezas. Como toda a gente, as pessoas experientes têm de si próprias boa impressão. Como quase toda a gente, gostam de falar como pessoas experientes. Não admira por isso que, quando têm quem as oiça, aproveitem para se recomendar a si próprias.

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