Sabotar para governar

Alexandre Homem Cristo | Observador | 21/7/2014

É compreensível que a FENPROF discorde de muitas decisões de Nuno Crato. Mas não é aceitável que, por via da sabotagem, tente sobrepor as suas vontades às decisões de quem tem legitimidade democrática
Há muitos anos que a política educativa não é mais do um duelo permanente entre ministros e sindicatos – com destaque para a FENPROF. Não é por acaso, nem é de hoje ou de ontem. O sector da educação alberga cerca de metade dos funcionários da administração pública e a organização do sistema educativo parece ter sido decalcada do centralismo soviético – ou seja, quem governa é, mais do que ministro, director de todas as escolas do país. No fundo, o sonho de qualquer sindicalista, que para todos os males critica sempre o mesmo patrão. Não admira portanto que, mais do que sobre os alunos, o foco de interesse esteja nos professores. E se o sistema está ao seu serviço, como muitas vezes aparenta estar, não admiram também as dúvidas sobre quem manda realmente na educação nacional: o ministro ou os sindicatos.
Amanhã teremos mais um episódio desse duelo. Uma espécie de tira-teimas: a segunda volta da prova dos professores. Uma prova que o PS introduziu na legislação (2007), que está no programa do governo e sobre a qual há um acordo com a UGT. Mas também uma prova que, em Dezembro de 2013, não foi possível aplicar a todos os professores inscritos, devido a protestos nas escolas. E que, desde então, ficou pendurada. Até agora. Será que é desta?
A incerteza não é original. Mas tem por base o culminar de uma originalidade. Durante anos, para além de manifestações, as acções sindicais não passavam de muito barulho e a tradicional judicialização da política. A FENPROF apresentava queixas contra o Estado por tudo e por nada – para que este vinculasse 12 mil professores, para que este repusesse os subsídios de Natal e de férias, para que o ministério divulgasse a lista de escolas com amianto ou para que revisse os critérios para a vinculação automática de professores. Agora, o modus operandi mudou: em contexto de guerra aberta, pratica-se a sabotagem.
Primeiro, por via de boicotes nas escolas. Em Dezembro 2013, desafiando até a polícia, muitos professores não olharam a meios para impedir que os seus colegas realizassem a prova. Entre cercos, distúrbios e protestos, houve de tudo. E 29% dos inscritos viram-se, de facto, sem condições para prestar provas, obrigando a novo agendamento. Amanhã, para além de reuniões sindicais agendadas só para justificar as faltas dos professores, prometem os sabotadores que a dose é para repetir: o que tiver de ser feito, será. Garantia do movimento Boicote&Cerco.
Segundo, por via de providências cautelares. No ano passado, duas entre as vinte providências cautelares que a FENPROF apresentou foram aceites pelos tribunais, forçando a suspensão da aplicação da prova. Entretanto, em ambos os casos, os tribunais deram razão ao governo. Fez alguma diferença? Não, porque não se trata de uma questão de reposição da justiça. Mário Nogueira assumiu-o – "é irrelevante, o objectivo das providências cautelares foi cumprido: impedir a realização da prova" (Abril 2014). Sabotagem, portanto – impossível maior clareza. Agora, repete-se tudo, com novas providências entregues.
É compreensível que a FENPROF – integrada na CGTP, de ideologia comunista e com quadros seus ligados ao PCP – discorde de muitas decisões de Nuno Crato. É compreensível que os professores não gostem de avaliações, mesmo quando estas são necessárias. E é compreensível, mesmo se longe de ideal, que o Governo agende a prova a curto prazo – depois de ameaçado de sabotagens, fez o possível para se defender. Mas tudo tem o seu limite. Não é aceitável que, por via da sabotagem, haja quem tente sobrepor as suas vontades às decisões de quem tem legitimidade democrática para as tomar. E é lamentável que governar se transforme nisto: um jogo de golpes e contragolpes. Um país assim não tem futuro.

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