E pluribus unum

OJE | 10/01/14 | Rui Tabarra e Castro

No passado domingo, dia 5 de janeiro, morreu Eusébio. Tinha 71 anos. Figura maior do desporto nacional considerada, à escala planetária, um dos melhores futebolistas de todos os tempos, foi ao serviço de Portugal e do glorioso Sport Lisboa e Benfica, que alcançou os seus maiores feitos.

Os portugueses, independentemente das suas preferências clubísticas, prestaram-lhe a devida homenagem e as celebrações fúnebres contaram com a presença de diversos titulares de órgãos do Estado.

No dia do seu funeral, admito que, por vontade da família e dos seus mais queridos, foi celebrada eucaristia católica.
As exéquias fúnebres, porém, em que participaram milhares de pessoas de todos os clubes, de diferentes nacionalidades e com distintos credos, levaram a que alguns, sem noção do ridículo, tivessem invocado o facto de Portugal ser um Estado laico, questionando desta forma a participação de dignatários do Estado nas celebrações religiosas e, bem assim, a sua transmissão televisiva na televisão pública.

O espaço destinado a este texto de opinião é demasiado curto para poder denunciar os equívocos que enfermam o raciocínio de alguns, felizmente poucos e não especialmente representativos. Ainda assim, e porque os ecos dos vícios lógicos teimam em ultrapassar as fronteiras do mundo (pequenino) em que vivem algumas destas pessoas, importa deixar aqui umas breves palavras sobre o tema.

Antes de mais, importa esclarecer que a Lei Fundamental, ao contrário do que muitos pretendem fazer crer, não afirma Portugal como um Estado laico. O que a Constituição da República Portuguesa estabelece como princípio é a separação entre o Estado e as igrejas, o que, naturalmente, implica que o Estado e as diversas igrejas devam ser mantidos separados e independentes uns dos outros.

Aliás, deste princípio constitucional, próprio de um Estado de Direito democrático e comum a quase todos os que partilham deste pilar civilizacional, decorre outro não menos estruturante de comunidades como a nossa: o da liberdade religiosa.

Assim, se é certo que não pode ser imposta nenhuma religião a quem quer que seja, não é menos verdade que ninguém pode ser impedido de dar público testemunho da fé que o anima.

Parece-me, pois, evidente que não assiste qualquer razão a quem, invocando a separação entre o Estado e as igrejas, pretende impedir a presença de dignatários do Estado em celebrações religiosas, por si não promovidas, e, bem assim, a relevância dada pelos órgãos de comunicação social, nomeadamente públicos, a tais celebrações. Por outro lado, convém não esquecer que Portugal é (ainda) um país maioritariamente religioso - de acordo com o censos de 2011, 88% dos portugueses afirmam-se crentes, 81% católicos -, o que significa que uma maioria muito significativa da população recorre aos Sacramentos, nomeadamente e no que aqui nos importa, ao funeral religioso no momento em que parte deste mundo.

Ignorando os motivos que movem todos aqueles que, de forma cada vez mais persistente e ruidosa, insistem em aproveitar momentos em que a nação se reúne para prestar homenagem aos seus maiores para exibir a sua própria cegueira, fica a sugestão de que, abstendo-se de colocar em causa o exercício da liberdade religiosa de quem com eles não concorda, se limitem a desligar a televisão.

Termino, como comecei, lembrando Eusébio. Como um querido amigo escreveu no dia da sua morte, "Portugal não fica mais pobre. Não fica mais coisa nenhuma. Fica menos. Menos Portugal".
 
*Advogado na FCB&A

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