Médicos e professores

Inês Teotónio Pereira
ionline  22 Jun 2013
Posso discordar deles, posso nem gostar deles, mas respeito-os mesmo quando não quero

Há dois tipos de pessoas que por piores pessoas que sejam terão sempre o meu respeito incondicional, infantil e submisso: professores e médicos. É assim. Não sei porquê, mas é assim. Posso discordar deles, posso nem gostar deles, mas respeito-os mesmo quando não quero: falo mais baixo, não interrompo, dou o benefício da dúvida, oiço com atenção, peço desculpa por discordar e até coro quando discordo.
Quando os professores se queixam que um dos meus filhos não estudou, não fez os trabalhos, se portou mal nas aulas e fez todas essas coisas que os filhos fazem, a primeira reacção que me ocorre é desculpar-me. Eu, que não tenho nada a ver com isso, que nem sequer vou às aulas, acho que tenho de pedir desculpa ao professor pelos disparates do meu filho e pela sua negligência: assumo a culpa e peço desculpa pelos trabalhos de casa que ele não fez.
A minha relação com os professores só é descontraída na exacta medida do desempenho deles: se as criaturas tiram boas notas, o professor é um amigo, se as notas são más, o professor é como se fosse meu professor, é um censor.
Há pais, e eu admiro profundamente esses pais, que não se ficam. Pais que estão incondicionalmente do lado dos filhos: se as notas são más é porque o professor é mau, se os trabalhos de casa não são feitos é porque o professor manda muitos trabalhos de casa, se a criancinha se porta mal nas aulas é porque o professor não sabe impor a disciplina e devia dedicar-se à pesca. A culpa é sempre do professor. A criança, a mãe, o pai e o periquito são exemplos de virtude.
Pois eu não sou nada assim. Tenho pena de não ser assim, adorava ser assim, mas de facto raramente acho que os meus filhos têm razão. E os desgraçados são duplamente censurados: por mim e pelo professor.
Um professor, na minha imatura e infantil concepção, é quem sabe. Eu sei, eu sei que não é assim: que há muitos professores que nem aos peixes deviam poder ensinar e que os meus meninos se esforçam e muitas vezes são eles as vítimas. Mas a verdade é que a autoridade do professor está completamente enraizada na minha moral. A verdade é que eu coro...
O mesmo se passa com os médicos. Quando levo os meus meninos ao médico faço uma revisão meticulosa antes de os pôr a nu em frente ao médico: vejo tudo, certifico-me se cumpri as recomendações dadas na última consulta, ensaio as perguntas mais pertinentes e lá vou eu. Com algum nervosismo: o que é que eu fiz de mal? Não sofro pela criança, que continua a produzir energia ao ritmo de uma central nuclear, sofro por mim, com medo da censura.
"Ó mãe, o menino está mais magrinho..."; "A mãe já o levou aos especialistas em pele, ouvidos, nariz e olhos? Temos de ver tudo, temos de ver tudo...." É aqui que eu coro. Que raio de mãe sou eu, que não me certifico se eles lavam os dentes como deve ser? Claro que o facto de estas pessoas, médicos e professores, nos tratarem por mãe, não ajuda. É tipo tortura psicológica: "És mãe e não tratas do teu filho como deve ser... mãe, pois..."
A parte pior das consultas é quando eles desatam a fazer perguntas às criancinhas que respondem sempre com toda a sinceridade, os ingratos. Uma vez levei um dos meus filhos ao médico e ele descobriu uma nódoa negra no braço na criança. "Então como é fizeste isso?", ao que a criança responde: "Foi a mãe que me apertou o braço." Ia desmaiando. A frieza da confissão gelou-me o sangue. Estive dez minutos a explicar que a pele da criancinha é muita branca, que apertei o braço com pouca força e que ela nem se tinha queixado, blá, blá, blá. E o pior é que nem me lembrava de lhe ter apertado o braço. Uma vergonha. Agora só lhes aperto as orelhas. E devagarinho, claro.

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