O futuro da União

DN 2012-08-27JOÃO CÉSAR DAS NEVES

A crise europeia passou o Verão em lume brando para voltar a ferver em Setembro. O que não abrandou foi o borbulhar criativo dos comentadores, que manteve acesa a polémica com palpites para todos os gostos. Desde as catástrofes eminentes dos alarmistas às garantias de segurança das autoridades, o leitor pode escolher o tipo de ebulição que prefere. Que pensar então da situação?
É bom lembrar que crises fatais para a integração europeia tivemos várias nas últimas décadas, mas a União ainda subsiste. Repetidamente ao longo dos últimos 60 anos, qualquer avaliação séria das perspectivas teria de concluir que o projecto não duraria mais de alguns meses. Exactamente como hoje tantos dizem. Desde os anos 1950 que, se quisermos ser minuciosos e exactos, temos de afirmar que a Comunidade Europeia não pode existir. Integrar económica e politicamente tantos países com leis, hábitos, culturas e propósitos tão diferentes é, realmente, uma impossibilidade histórica. Uma impossiblidade que de facto existe e se impôs ao mundo e aos cépticos. Nesse sentido, os prognósticos mais aterradores estão cheios de razão. Como sempre estiveram, apesar de ainda não se terem realizado.
Não vale a pena dizer que esta crise é muito mais grave que as anteriores. Não só isso também foi dito em todos os casos anteriores, mas a afirmação é totalmente arbitrária, por ser impossível medir a gravidade das crises. Será o actual problema da dívida mais ameaçador que o veto de De Gaulle em 1963 ou o "rebate" de Thatcher em 1984? Será mais sério que a crise do petróleo de 1973 ou do sistema monetário europeu em 1993? Mais influente que as sanções contra a Áustria em 2000, o desacordo na invasão do Iraque em 2003 ou a rejeição da Constituição em 2005? Em todos estes momentos, e muitos outros, se falou do fim da Europa. E com razão. Mas ela ainda dura. A dramática situação desde 2010 constituirá mais um dos episódios a juntar à longa lista. Se a Europa sobreviver, claro.
Porque é bom não escamotear a gravidade da situação. Está de facto em causa a sobrevivência da União, como esteve em todos essas épocas. É bem possível que se viva em breve uma situação insustentável, que não possa ser controlada antes de demolir grande parte da integração. Vale a pena, porém, acertar o verdadeiro tipo de ameaça, porque muito do que se anda a dizer é disparate.
Por exemplo, é pouco provável que a União seja derrubada num pânico financeiro. A natureza humana é sempre imprevisível, e ultimamente os ânimos têm andado bastante exaltados, pelo que esta afirmação é bastante arriscada. Mas é bom lembrar que ninguém entra em pânico com aviso prévio. O terror é algo repentino, imprevisto, inopinado. Não é possível um susto generalizado quando toda a gente fala disso há anos. Se em 2010 a Grécia tivesse repudiado a dívida ou Portugal abandonado o euro, haveria um tremor continental de elevada magnitude. Agora já todos descontaram o que havia a descontar, já se provisionaram os riscos previsíveis. Só os muito distraídos se surpreenderiam. Isto não quer dizer que seja inócuo, mas a derrocada generalizada existe sobretudo na imaginação dos agoirentos.
O verdadeiro problema, hoje como sempre, é solidariedade. Os devedores precisam de ajuda porque abusaram dos apoios solidários, e os credores só serão solidários com garantias que esse comportamento comprometeu. Mas não existe alternativa à solidariedade porque, como todos estão no mesmo barco, a queda de um arrastará tudo. Por isso a Alemanha tem razão em exigir austeridade e a Grécia em repudiá-la. Também aqui, como antes, todos os que falam têm toda a razão no que dizem e por isso ninguém se entende.
É verdade que esta é a primeira crise a 27, dentro de um drama global e numa geração sem o élan original. Ninguém sabe o que acontecerá. Até é possível que a União desapareça. Uma coisa é certa: quando cair, agora ou no futuro remoto, os séculos seguintes olharão para ela como modelo. Como o império romano, que durou mil anos e foi copiado noutros mil.

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