Cara a cara

Público, 2010-10-28  Helena Matos
Negociar directa ou indirectamente com Sócrates implica saber que isto já aconteceu: Sócrates não é um parceiro fiável


Cara e coroa. Durão Barroso dizia que sabia que seria primeiro-ministro. Só não sabia quando. Passos Coelho sabe que só será primeiro-ministro se acertar no quando. E sabe que não pode falhar. O seu partido só lhe dará o direito a uma tentativa. Por isso joga um contínuo cara e coroa com José Sócrates.
Ontem adiou mais uma vez esse momento.

Dar a cara. O que têm em comum Eduardo Catroga, Passos Coelho, João Lobo Antunes e Cavaco Silva? Ou mais concretamente o que une as negociações do Orçamento do Estado para 2010 à escolha dos nomes para o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e à alteração do Estatuto dos Açores? A acusação de que Sócrates ou os seus negociadores não cumpriram a palavra que deram aos interlocutores dessas negociações. Mas não só. O que para o caso interessa é que essa acusação deixa sempre os acusadores com um ar assarapantado de quem ainda não percebeu o que lhe aconteceu. Quase de zanga consigo mesmos por terem sido tão ingénuos, eles que precisamente se achavam tão perspicazes e avisados.
O que agora aconteceu ao experiente e cavaquista Eduardo Catroga, quando foi confrontado por Teixeira dos Santos com uma contraproposta inegociável, foi o mesmo que ocorreu há um mês ao inexperiente e, para Belém, pouco simpático Passos Coelho, quando ouviu e viu o ministro Silva Pereira a revelar aos jornalistas o teor das reuniões até aí secretas que tinham sido mantidas entre os líderes do PS e do PSD. Foi também o que aconteceu a João Lobo Antunes, quando foi afastado do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, apesar do compromisso governamental em contrário. E como é óbvio foi o que aconteceu a Cavaco Silva, quando constatou que o Estatuto dos Açores mantinha a alteração dos poderes presidenciais e das assembleias da República e Regional dos Açores. Em todas estas circunstâncias estes homens viram-se sós perante a evidência de que só lhes restava a sua palavra contra a do primeiro-ministro ou de quem negoceia por ele.
E nessa constrangedora solidão perceberam que teriam de explicar aos portugueses que estavam a dizer a verdade. Explicação que tem implícita que existe, pelo menos, 50 por cento de possibilidades de se estar a mentir. E, cereja no cimo do bolo desta concepção equitativa do carácter ou da falta dele, vai-se deixando cair que tudo não passa duma troca de acusações e que a culpa é afinal de todos.
Negociar directa ou indirectamente com José Sócrates implica saber que isto já aconteceu, está a acontecer e vai acontecer de novo, pois o problema não está nas cedências ou nas não cedências de Teixeira dos Santos e de Eduardo Catroga. O problema é que José Sócrates não é um parceiro fiável. Desde Setembro de 2009, quando perdeu a maioria absoluta, que a estratégia de José Sócrates passa por provocar crises que legitimem perante a opinião pública o seu pedido de demissão. José Sócrates é um sobrevivente nato e não está de modo algum nos seus planos deixar-se ficar tranquilamente à espera que algures em 2011 o PS, o PSD e o Presidente acordem o seu afastamento.
A conferência de imprensa de ontem de Teixeira dos Santos foi um remake em pior da comunicação que o mesmo ministro fez ao país em Fevereiro deste ano a propósito da Lei das Finanças Regionais. E foi um remake em pior porque a situação do país é agora ainda mais grave do que era há sete meses. E um remake em mais óbvio, porque ontem, ao contrário do que aconteceu aquando da crise com o orçamento da Madeira, já nem sequer houve o cuidado de fazer de conta que era a sério: Teixeira dos Santos levou para a conferência de imprensa um longo, muito organizado e devidamente dactilografado texto para justificar a ruptura que não se entende como podia ter sido redigido no escasso tempo que decorreu entre a saída de Eduardo Catroga da sala de reuniões e o início da conferência do ministro das Finanças.
Eduardo Catroga e Teixeira dos Santos são os protagonistas de algo que naturalmente os transcende: Portugal em Outubro de 2010 é um país à espera. Não de que o Orçamento do Estado seja aprovado. Ou de que os juros da dívida subam ou desçam. Portugal é um país à espera de que aproximadamente meio milhão de eleitores decida finalmente se vota PS ou PSD, assegurando assim a base de apoio suficiente para que Portugal tenha governo.
Enquanto tal não acontecer, Sócrates vai inventar crises para conseguir sair por cima e Passos Coelho não dá o passo em frente que o leve pior do que a perdê-las a ganhá-las por muito pouco.

A cara que não devia estar lá. Obviamente a de Jorge Lacão. Sem competência técnica que justificasse a sua inclusão na equipa do PS, qual foi o papel de Lacão? Ser chaperon do entendimento que a vertente técnica dos negociadores propiciaria. Já Francisco Assis e Miguel Macedo deviam ter assistido às negociações. Mesmo que nelas não participassem directamente, a sua presença reforçava o papel do Parlamento. E a sua capacidade de intervenção na discussão parlamentar do Orçamento.

A cara que podia ficar na fotografia. Paulo Portas. Em política saber equacionar cenários é muito importante, mas convém não esquecer que a realidade é matreira: a 23 de Outubro, Paulo Portas anunciou que o CDS-PP vai votar contra o Orçamento do Estado. A 23 de Outubro, o PS e o PSD começaram as negociações que nesse dia todos auguravam ir terminar em acordo. A 27 de Outubro, Paulo Portas constata que podia ter ficado na fotografia da viabilização deste Orçamento. Mas saiu de cena antes da hora.  
Ensaísta

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