A indústria da protecção

João César das Neves

DN20090817

Apareceram nas casas de banho públicas cartazes da Direcção-Geral de Saúde indicando a forma correcta de lavar as mãos, em 12 passos e mais de 20 segundos. Um facto destes merece explicação. Por que razão se faria coisa tão ridícula?

Não pode ser pela utilidade da informação. Primeiro porque quase ninguém tem paciência para ler até ao fim o longo articulado. Depois porque poucos dos que o fizerem tentarão executar o que lá se indica. Se se atreverem, não terão coragem de o repetir. Esse cartaz só tem influência em hipocondríacos que, de qualquer maneira, já tomavam precauções. Nos outros mortais apenas cria só o incómodo de saberem que vivem há tantos anos sem lavar bem as mãos. E assim continuarão...

Com benefícios tão diminutos, os pequenos custos ficam esmagadores. O folheto foi produzido aos milhões e exigiu que milhares de pessoas perdessem tempo a afixá-lo. Além dos fiscais que confirmarão se o papelinho está colocado, e as multas para os desgraçados que não participarem no disparate. Multiplicado pelas multidões envolvidas representa um prejuízo relevante para conseguir coisa nenhuma. Isto tudo é tão tonto (ainda veremos cartazes ensinando a respirar?) que vale a pena investigar a sua origem. Como se criam tais aberrações?

A colocação foi ordenada por um governante ou burocrata com motivos bem definidos. O propósito nunca é resolver problemas, mas executar tarefas que tenham três características particulares. Primeiro devem parecer resolver problemas. Temos de admitir que, se não pensarmos muito, aquele cartaz até se assemelha vagamente com algo útil para a saúde e higiene. Em segundo lugar tais actividades têm de fazer boa figura em "planos de contingência", "linhas de orientação", "relatórios de execução" e textos afins que afinal são a única coisa que as tais personagens realmente produzem. Um responsável nunca resolve problemas. Escreve documentos.

A terceira característica da medida é que deve ser discreta nos custos. A despesa nunca é suportada pelo serviço que a impõe, o qual, pelo contrário, ganha verbas pelo número de propostas que inclui nos relatórios. Além disso, o departamento em causa tem relações próximas com empresas que enchem os bolsos a produzir os adereços envolvidos nas medidas. Assim todos ganham e quem realmente paga, o contribuinte, nunca dá por isso.

Melhor ainda, não se pode criticar o cartaz. Porquê censurar algo tão barato no meio de tantos gastos? Esta resposta revela-nos a verdadeira dimensão da questão. O papel ridículo, ensinando a lavar as mãos, é apenas uma gota num oceano de regulamentos, portarias, directivas e decretos que obrigam a uma miríade de outras práticas igualmente tontas para promover centenas de objectivos, da defesa do consumidor à protecção do ambiente, da saúde ao terrorismo e à cultura.

A indústria da protecção é uma máquina planetária, que vai da ONU à câmara municipal, passando pelo gigante indiscutível, as instituições europeias. Os jornais fazem o seu papel, alarmando o público e justificando as medidas a que a indústria nos obriga. Já terá reparado que os alarmes mediáticos se repetem com maior frequência. A indústria de protecção precisa de ser alimentada.

Este é hoje o maior inimigo da liberdade. Cidadãos ciosos da sua autonomia entregam o poder a uma indústria monstruosa, envolvendo multidões de burocratas, institutos, serviços e empresas, autárquicos, regionais, nacionais e supranacionais. Todos fazendo estudos e impondo medidas que pretendem carinhosamente defender-nos de múltiplos perigos.

Quer dizer que a gripe não é perigosa? Claro que é. O novo vírus existe e é muito nocivo. Mas os crocodilos também existem e são muito nocivos, vivemos numa zona sísmica e as doenças cardiovasculares são as mais mortais. Valerá a pena fazer cartazes ensinando a desfribilação?

As gerações futuras vão rir-se da época que até tinha cartazes ensinando a lavar as mãos em 12 passos. Mas não compreenderão que a causa não é a nossa estupidez, mas o domínio sufocante da indústria da protecção.

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