O país irreal

DN, 20090507 

MARIA JOSÉ NOGUEIRA PINTO

 

É um erro transformar as europeias numas primárias e ridícula a sugestão de um bloco central para nos salvar

A expressão "país real" foi inventada por aqueles que o ignoram. Em democracia, a cultura do irreal na política é perigosa porque, de vez em quando, o país tal como é dá sinais de que é preciso saber entender.

A última coisa que os partidos precisavam era de mais dinheiro para campanhas eleitorais. Um investimento em bons candidatos, um discurso claro, sobriedade e substância, humildade para perceber os problemas dos outros, dos que votam, uma pisca de ambição, uma dimensão qualquer de sonho, tudo isto faria mais sentido para reabilitar os partidos aos olhos dos portugueses.

A alteração da lei de financiamento dos partidos constituía uma das prioridades do saneamento da nossa democracia. Na Assembleia da República, enquanto deputada, participei em inúmeros debates e bati-me por uma clarificação definitiva do modo e das finalidades do financiamento. Percebi que na Assembleia da República todos estão em causa própria. O mesmo se viu agora, salvo raras e honrosas excepções.

Ao fim de trinta e cinco anos, os partidos ainda professam a fé na política-espectáculo, com luz e som, gadgets inúteis, poluentes e artificiais para "apanhar" o voto do cidadão indeciso e, sobretudo, impressionar os adversários com provas de força materializadas em outdoors; a campanha virtual, feita de sondagens, marketing e grandes eventos parece ter dispensado o porta-a-porta, o contacto directo com as pessoas, o estudo dos problemas, a proposta de soluções, enfim, o verdadeiro escrutínio a que todo o candidato se deve submeter no período de campanha; os partidos fazem das eleições a sua grande festa e inventam um país à sua medida, sem atenderem às particularíssimas circunstâncias em que nos encontramos neste ano de 2009.

Quem alguma vez foi candidato em eleições sabe que não existem "almoços grátis". Raramente o dinheiro vem pelos nossos lindos olhos, ou mesmo pelos valores ou causas que defendemos. A história recente da nossa democracia está cheia de casos que o provam, ligações perigosas, promiscuidades indesejáveis numa teia obscura e suspeita. Chegámos mesmo ao ponto de dividir a corrupção dos políticos em duas subcategorias: os que metem o dinheiro ao bolso e aqueles que o entregam ao partido. Quando ouvimos comentar acontecimentos recentes há sempre alguém que faz este distinção: "não foi para ele, foi para o partido" e, imediatamente, um fervor exculpatório absolve a criatura.

Ser eleito para um cargo político com facturas pendentes obriga a um exercício do mandato com as mãos amarradas e à ameaça de, quando menos se espera, o cobrador bater à porta.

Tudo isto seria mais suportável se as circunstâncias fossem outras. Ver o País como ele está e perceber o peso dos factores psicológicos, determinantes para a formação da decisão de cada português, sentimentos de angústia, dúvida, incerteza, descrença, etc., é o mínimo de respeito pelo eleitorado, exigível a cada candidato de cada partido, nas próximas eleições. O dinheiro que os partidos, reunidos em S. Bento, decidiram atribuir a si próprios com o poder que o mandato popular lhes deu nas últimas eleições cria um contraponto negro com aquilo que é o real quotidiano de uma parte significativa do povo português.

No ar, há sinais de crispação, que é perigoso ignorar. Podem significar um estado de espírito colectivo mais determinante para o desfecho eleitoral do que o dinheiro arrecadado pelos partidos.

Como é um erro transformar as europeias numas primárias e ridícula a sugestão de um bloco central para nos salvar a todos. De que estamos a falar? De Sócrates e Ferreira Leite juntos a reformar o País? Mas qual país?

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