Verdade e confiança

PÙBLICO 23.02.2009, Francisco Sarsfield Cabral

A confiança dos portugueses ganha-se falando verdade


Segundo uma sondagem recente, os portugueses são os europeus que menos confiam nos políticos. Dizer mal dos políticos é popular em Portugal. Mas em Felgueiras, Gondomar e Oeiras não escolheram os eleitores autarcas suspeitos de crimes? O mal não é apenas dos políticos.
Mas os nossos políticos põem-se a jeito. O Governo tardou a reconhecer o que entrava pelos olhos dentro. Em Outubro previa para 2009 um crescimento do PIB de 0,6 por cento. O PSD era apenas um pouco menos optimista - previa 0,3 por cento positivos. Quando o sistema financeiro se desmoronava e as bolsas caíam a pique, Sócrates orgulhava-se de que Portugal escaparia à recessão.
É verdade que a banca portuguesa quase não tem activos "tóxicos". Mas como não perceber, ou fingir não perceber, que uma brutal crise do crédito afectaria duramente um país ultraendividado? Em Portugal estão cheios de dívidas o Estado, as empresas, as famílias e os bancos, que precisam de ir ao estrangeiro buscar dinheiro caro e difícil para o emprestar aos portugueses. Tudo isso se traduz numa dívida externa cujo crescimento é explosivo (adjectivo do Presidente da República), representando uma pesadíssima hipoteca para as gerações futuras.
Quando se tornou impossível não reconhecer a gravidade da crise, a atitude do primeiro-ministro mudou. Insistindo em que a crise vinha de fora, não sendo da sua responsabilidade, apresentou-se como o único capaz de proteger os portugueses dos efeitos da recessão. A crise até dava jeito para justificar algumas medidas impopulares.
Acontece que a crise nascida nos Estados Unidos e logo tornada global veio, em Portugal, somar-se a uma mais antiga crise estrutural interna. O país tornou-se pouco competitivo. Daí o desequilíbrio das nossas contas externas (mais de 10% do PIB), significando que os portugueses, com os seus actuais níveis de produtividade e consumo, estão a viver um décimo acima do valor que produzem. Uma situação que não pode durar.
Mas o Governo não fala deste problema de fundo. Para não desanimar as pessoas? Desanimadas estão elas. O primeiro-ministro prefere a propaganda. Quase todos os dias aparece na televisão a anunciar uma iniciativa, uma medida, uma obra (às vezes em cerimónias mediáticas pagas pelas empresas construtoras). E não distingue coisas realmente úteis que o Governo tem feito de trivialidades populistas. É significativo que, no congresso da Associação Portuguesa de Empresas Familiares, um empresário da estatura e do perfil ético de Alexandre Soares dos Santos (Jerónimo Martins) tenha dito que a crise é agravada pela "demagogia intolerável do primeiro-ministro".
Se somarmos o cansaço da repetição dos argumentos ("nós actuamos, os investimentos públicos são a resposta à crise", etc.) à perda de credibilidade decorrente do anterior excesso de optimismo, é duvidoso que a campanha propagandística do Governo seja eficaz. Julgo, até, que ela começa a tornar-se contraproducente.
Pelo meio disto, invocam-se campanhas negras contra Sócrates. Não estou de acordo com muita coisa que a comunicação social tem feito para embaraçar o primeiro-ministro. Mas um estadista tem de saber reagir com serenidade a essas contrariedades. Recordem-se as campanhas de assassinato de carácter contra Sá Carneiro ou contra Bill Clinton (ainda antes do caso Mónica Lewinsky). Não me lembro de que esses políticos se tenham vitimizado e reagido como virgens ofendidas.
Pelo contrário, o actual nervosismo do PS e os seus destemperados ataques à oposição só acentuam as suspeitas. Como não é positivo que o Governo rejeite liminarmente todas as propostas da oposição para combater a crise, sem prejuízo de, depois, aproveitar algumas dessas ideias que considerara péssimas.
A confiança ganha-se falando verdade. Ora, como Mário Soares lembrou, o Governo não tem explicado bem algumas medidas anticrise, em particular na banca, o que permite à demagogia da extrema-esquerda afirmar que o Estado "ajuda os banqueiros".
Infelizmente, em matéria de verdade o primeiro-ministro não tem dado bons exemplos (lembre-se o relatório sobre educação atribuído à OCDE, por exemplo). E as tentativas, legislativas e não só, para condicionar a comunicação social não contribuem para um clima de confiança no poder político. Se existe, a tal "central de propaganda" do Governo parece-me pouco competente.
Jornalista (franciscosarsfieldcabral@gmail.com)

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