A tia Luísa


ISILDA PEGADO    VOZ DA VERDADE   11.02.2018

1 – A tia Luísa nasceu em 1929 e era a mais velha de 5 filhos numa família que vivia num ambiente marcadamente rural. Casou já tarde, para a época, tinha então 30 anos, e teve um filho, que foi sempre a sua alegria de viver. Também nunca escondeu o entusiasmo que tinha ao receber os sobrinhos que pulavam pela casa!

A tia Luísa geriu a sua casa agrícola com animais, pomares e vinhas. O marido tinha outra actividade comercial. Construíram a casa onde viveram até ao fim dos seus dias.

O filho casou bem e, nasceram os dois netos que a encantavam.

Quando ficou viúva, a proximidade ao filho, à nora e aos netos foi ainda maior. Aquela era a sua família.

2 – Além de uma vida de trabalho exigente e com dificuldades, sofreu também com alguns conflitos que não a deixaram dormir muitas noites. Mas não lhe era ouvida uma palavra de ódio, azedume ou mais violenta “Oh filha, há-de resolver-se”. Entregava as dificuldades…

3 – Quando os setenta anos corriam, o corpo foi tendo as doenças próprias do envelhecimento que a tia Luísa aceitava com a cara sempre sorridente e de olhos vivos que interpelavam, com doçura, quem a olhava. Os dolorosos internamentos hospitalares eram supridos com a alegria da recuperação e das melhoras.

Na aldeia onde vivia era visitada em casa, por familiares, vizinhos e amigos.

As forças foram fraquejando e durante mais de 10 anos esteve em casa, numa vida que se resumia à mudança da cama para o sofá, e do sofá para a cama, com a higiene e alimentação pelo meio. Não precisava de mais.

Durante o dia via o movimento dos netos que saíam e entravam em casa pelo quintal comum, e “na vida deles”. Tal como o filho e a nora. Espectadora de si própria e da família que construíra, via os dias passarem.

4 – Porém, tudo o que eram festas e almoços ou jantares que reuniam a família, faziam a sua razão de viver. O Natal ou a Páscoa, os aniversários ou os almoços de amigos, em casa do filho, a procissão e a festa da aldeia, determinavam e preenchiam o seu viver.

Antes dos eventos queria saber, e opinava sobre o modo como iria decorrer. Quem estaria? Que refeição seria confeccionada? A que horas? Alguém a levava ao cabeleireiro? Tudo a interessava. Tudo a preenchia. E, depois desses dias de festa ficavam as reflexões e comentários do que se tinha passado. A memória dos tempos. O ano corria de festa em festa.

Viveu assim até quase aos 90 anos, sem ter queixas ou exigências, sem grandes lamentos e sempre com muita alegria de viver. Até ao fim dos seus dias disse: “ainda gostava de ver isto tudo por mais uns tempos”. Tanto mais que, nos últimos 3 anos viu casar um neto, e nascer um bisneto… a vida interpelava-a.

5 – Desde há muitos anos que nada produzia, e sim… precisava de cuidados da nora, do filho, dos netos e ainda de outras ajudas pontais. Mas, até ao último dia, a sua vida foi sempre muito útil para todos os que a rodeavam.

Ao humano basta Ser, o fazer é uma circunstância. A tia Luísa… era.

Por isso esperou e aceitou serenamente, tudo o que lhe foi dado com muita alegria e nobreza, até ao último suspiro (na passada semana).

6 – As “tias Luísas” que tantas vezes são vítimas de ideologias, vítimas do “descarte” e do abandono merecem, como nós havemos de merecer, o “olhar de Amor”, a fraternidade e a nossa determinação na afirmação de que toda a Vida Humana tem Dignidade, seja em que circunstância for.

Obrigado tia Luísa.

Isilda Pegado (sobrinha)

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