Tenha cuidado, a sua passividade pode matar

BERNARDO SACADURA   OBSERVADOR   05.05.17

Uma sociedade que só se mobiliza pelo desporto, festivais de música ou para reivindicar melhores condições de trabalho é tão permeável à promoção de uma cultura de morte como a alemã durante o nazismo.

Um dos factores mais espantosos do nazismo alemão não foi tanto a recuperação económica da Alemanha nem a reconstrução de um exército acabado para um dos mais poderosos do mundo, mas sim o facto de se ter mantido no poder durante 12 anos.
Hoje custa-nos acreditar que um governo com ideais tão nefastos consiga chefiar durante tanto tempo uma população de 60 milhões de habitantes que, apesar das sucessivas crises económicas, continuava a ser dos países mais industrializados do mundo em 1933.
Descontando que os ideais raciais estavam espalhados por todo o Ocidente, fazendo parte de importantes escolas filosóficas e cientificas no início de séc. XX (na verdade as leis Alemãs antissemíticas até à guerra não divergiam em muito das aplicáveis à raça negra e indígena em alguns Estados dos EUA), como foi possível este Governo manter-se em funções durante 12 anos?
Obviamente que a resposta a esta questão não é simples e muito trabalho historiográfico está feito. Tipicamente é apontado o aparente milagre económico executado pelo Governo (suportado por um brutal aumento de dívida e défices insustentáveis no médio prazo) em conjunto com a reconstrução do exército que permitiu reduzir drasticamente a taxa de desemprego e melhorar as condições de vida do povo alemão. Deve também ser tido em a extraordinária máquina de propaganda e a recuperação do orgulho alemão (os jogos Olímpicos de Berlim foram um momento fundamental de propaganda).
No entanto a melhoria da economia não devia ser justificação suficiente para explicar a submissão do povo alemão ao governo de Hitler. Se assim fosse significaria que desde que a maioria esteja satisfeita com as condições materiais, tudo o resto é permitido a quem governa.
Infelizmente parece que é mesmo assim. Quando hoje olhamos para as manifestações a favor da vida verificamos uma adesão tão fraca por parte da sociedade civil que parece suportar essa conclusão.
Sabemos que a fraca adesão destas manifestações não reflete a quantidade de pessoas que são pró-vida em Portugal. Como aproximação mais realista podemos utilizar a mobilização do povo nas diferentes visitas dos Papas a Portugal. Centenas de milhares de portugueses procuram estar com o Papa. Sabendo ainda que a luta pela vida extravasa e muito a fé católica, seria expectável que estas manifestações tivessem uma capacidade de mobilização ainda mais extraordinária do que as visitas Papais. Afinal o que há mais importante do que lutar pela vida?
Se a lei da Eutanásia vier a ser promulgada pelo parlamento teremos uma situação similar à vivida na Alemanha Nazi. Ou seja a promulgação de uma lei que promove a cultura do descarte dos fracos, que é contrária aos sentimentos da maioria mas acabará por passar e ser aplicada pela falta de resistência da sociedade civil.
No dia 1 de Maio estiveram cerca de uma centena de pessoas numa manifestação contra a Eutanásia. No mesmo dia estiveram outros milhares a celebrarem o facto de cumprirem o seu dever (trabalhar) e, como sempre, a exigirem melhores condições laborais. A primeira, uma manifestação sobre um tema civilizacional, teve a presença de um meio de comunicação social, a segunda, que se repete todos os anos (as imagens podiam ser as mesmas de há dez anos que pouco ou nada muda nas pessoas e discursos) teve cobertura total. O desprezo da imprensa por aqueles que lutam e defendem a vida é também uma forma muito eficaz de propaganda.
Esta sociedade que apenas se mobiliza para ver o Papa, pelo desporto, festivais de música ou para reivindicar melhores condições de trabalho infelizmente é tão permeável à promoção de uma cultura de morte como os alemães o foram durante o Governo Nazi.
A sociedade civil tem de se organizar e as instituições do Estado de Direito têm de cumprir os seus deveres. O Presidente da República, como um dos elementos que pode limitar os poderes do parlamento, desempenhará um papel chave nesta situação. Tem duas opções de actuação: 1) vetar qualquer lei da Eutanásia e se necessário recorrer à dissolução do parlamento – este parlamento não tem legitimidade democrática para legislar sobre a eutanásia; 2) colaborar passivamente como Hindenburg fez com Hitler.
Se a lei da Eutanásia for votada e passar no parlamento, daqui por 50 anos tentarão perceber o que levou os portugueses a permitirem que estas leis vigorassem e a resposta é simples: egoísmo e irresponsabilidade de cada um de nós que acredita e não participa. Por isso tenha cuidado, a sua passividade pode matar.

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