Costa, ou se isto é um político

Observador 7/7/2016

Não me ilude o malabarista da geringonça, pois tal só tem a ver com ter e manter o poder. Interessa-me o chefe do Governo, e esse tem causado muito dano ao país, levando-o para uma tempestade perfeita
Nota: 8
Como se avalia um político que é Chefe de Governo? Pela sua habilidade política ou pelo que consegue fazer pelo país?
Esta é a pergunta central quando pensamos em António Costa por altura do seu primeiro debate sobre o Estado da Nação. Por uma razão simples: o comentariato nacional não perde uma oportunidade de elogiar a “habilidade política” de Costa e a sua capacidade para negociar. O resto parece ser-lhe indiferente – mas o resto é o essencial. Olhar para Costa e só ver a sua “habilidade” é como jogar futebol e só ver a bola, ignorando onde estão os companheiros e os adversários. Olhar para Costa e só ver o “negociador hábil” é esquecer o que o obrigou a ter de negociar tanto e em condições por vezes tão desvantajosas para o país (e também para o um partido histórico da democracia portuguesa, o PS).
De um primeiro-ministro espera-se que tenha prioridades claras. E nós recordamos bem das que preenchiam o discurso de Costa antes das eleições (eleições que perdeu, nunca é demais recordar): “virar a página da austeridade”, “promover o crescimento” e “apostar na qualificação dos portugueses”. Seis meses depois é possível fazer um primeiro balanço: António Costa sacrificou todas essas prioridades a um único desígnio, o de alcançar o poder e manter-se nele.
Antes das eleições podíamos discordar do programa do PS – do seu cenário macroeconómico, das suas prioridades orçamentais, das suas políticas sectoriais –, mas mesmo assim havia nele alguma coerência. Depois daquele dia bizarro em que foram assinados, de forma furtiva, os três acordos que deram corpo à geringonça essa coerência deixou de existir, como sublinhei logo na altura. Os resultados começam a estar à vista.
O famoso “virar de página da austeridade” correspondeu apenas à satisfação de algumas clientelas, com destaque para as da administração pública. Não foram os reformados que ficaram a ganhar, nem os desempregados, pois no primeiro trimestre de 2016 desapareceram quase 50 mil postos de trabalho (ver quadro abaixo, com a evolução do número dos trabalhadores empregados). A carga fiscal também não diminuiu, apenas passou de uns para outros, não necessariamente os mais pobres. Basta pensar que pagamos todos nas bombas de gasolina a reposição mais acelerada dos salários mais altos da função pública, ou que iremos talvez pagar com um IVA ainda mais elevado disparates como o regresso a mata-cavalos às 35 horas semanais nos serviços do Estado.




Quanto às políticas de crescimento aconteceu o que não podia deixar de acontecer: se no programa eleitoral do PS ainda havia um mix de medidas que tinha alguma lógica interna, os acordos da geringonça escavaram esse equilíbrio e o resultado foi que no primeiro trimestre de 2016 a taxa de variação homóloga do produto foi de apenas 0,9% (tinha sido de 1,3% no trimestre anterior), metade dos 1,8% previstos por Centeno para 2016, menos de metade dos 2,4% previstos pelo mesmo Centeno antes dos acordos da geringonça.
É certo que a desaceleração da economia começara no final de 2015, muito associada à instabilidade política que se criou mal se começou a perceber o que Costa queria fazer com os partidos à sua esquerda, mas o grande drama dos dados mais recentes é mais profundo e mais grave, pois eles indicam que deixou praticamente de haver investimento em Portugal. E sem investimento não há crescimento, por mais ilusões de consumo que se criem. Ora políticas contrárias às empresas (violação dos acordos que o PS subscrevera para diminuir o IRC, reversão de privatizações com processos judiciais em curso, aumento brusco do salário mínimo, para só dar alguns exemplos) não são de molde a fomentar o investimento privado. Quanto ao público, está em níveis historicamente baixos, como mostra a execução orçamental.
A tudo isto acresce a instabilidade associada ao clima confrontacional que o Governo adoptou desde o primeiro minuto relativamente à União Europeia, e que teve para já o seu momento culminante no braço de ferro em torno do Orçamento de 2016. Um braço de ferro que agora se prolonga com o romance das “medidas adicionais”, um problema que o primeiro-ministro procura ir empurrando com a barriga até ao momento em que a “engenharia” que já começa a ser visível na execução orçamental deixar de conseguir esconder um resvalar das contas públicas (resvalar de que o dilatar das dívidas a fornecedores é um preocupante indicador: só nos hospitais EPE os pagamentos em atraso subiram mais de 130 milhões de euros nos últimos seis meses).
Quem olha para nós lá de fora teme por tudo isto que estejamos a caminhar para uma situação de “tempestade perfeita”, o que não parece incomodar um primeiro-ministro que se desdobra em aparições públicas, num ritmo mais próprio de uma pré-campanha eleitoral do que adequado a tempos conturbados como os que vivemos aqui e na Europa. Pior: esses mesmos que olham para nós lá de fora começam a penalizar-nos, sendo que num momento em que os juros das dívidas soberanas, incluindo de países do sul da Europa, estão a níveis anormalmente baixos, os juros da dívida portuguesa, mesmo suportados pelas compras do Banco Central Europeu, teimam em distanciar-se dos que são pagos pelos outros países do euro (o diferencial relativamente aos juros da Alemanha a 10 anos passou de 250 pontos base no início do ano para cerca de 325 pontos base no final de Junho, um salto que diz muito).
Mesmo assim poder-se-ia dizer: não se “virou a página da austeridade” porque a Europa não deixou; e o país não está ainda a crescer como prometido por causa da conjuntura externa (sempre a conjuntura externa…) ou porque as medidas (quais?) ainda não produziram os efeitos desejados. Dá para sorrir e descrer, mas ainda assim não dá para chorar – onde dá verdadeiramente para chorar é quando se olha para a forma como este Governo tem vindo a levar por diante a sua prioridade de “apostar na qualificação dos portugueses”. É que aí deparamo-nos com a verdadeira obra de destruição que tem vindo a ser prosseguida pelo Ministério da Educação.
Ao contrário de toda a propaganda, a herança deixada pelo anterior governo na Educação era boa e os números estão a confirmá-la. Tomemos apenas dois daqueles indicadores considerados mais importantes, e mais valorizados além fronteiros: o abandono escolar e as taxas de retenção. A evolução dos dados do abandono escolar com Nuno Crato foi impressiva: em 2011 estava em 23%, em 2014 (dados do INE) já descera para 13,7%. Mas há mais, pois agora soube-se que no ano lectivo de 2014/2015 as taxas de retenção diminuíram, depois de também terem diminuído em 2013/2014. Ou seja, o maior grau de exigência introduzido no mandato do anterior ministro não se traduziu, depois do necessário período de adaptação, num aumento dos “chumbos”, antes na sua diminuição sustentada.
Algumas das políticas que permitiram chegar a estes resultados, e que eram obra tanto de equipas ministeriais do PS como da anterior maioria, já foram ou estão a ser desmanteladas por uma equipa ministerial que, literalmente, adoptou as prioridades da Fenprof de Mário Nogueira, seguindo a agenda dos comunistas sem aparentes estados de alma. O mal já feito ao sistema de ensino no que respeita ao sistema de avaliação (de alunos e professores), ao ensino profissional e à subsidiariedade entre ensino público e privado é enorme e decorre de uma obsessão ideológica, pois se assim não fosse não havia tanto empenho em destruir o que estava a dar bons resultados, como os números comprovam.
António Costa pode ter dificuldade com os números e pouca vocação para os detalhes da economia e das finanças, mas vermos um líder socialista, secretário-geral de um partido que em tempos alardeou a sua paixão pela Educação, entregar essa área de mão beijada aos sindicatos para manter de pé uma geringonça mal nascida, é perceber que estamos perante um político indiferente ao dano das suas políticas e apenas preocupado com manter-se no poder, mesmo que às costas do diabo.
De resto, aquilo que apontam como sendo o grande feito de Costa – manter a geringonça de pé e a andar – não é sequer obra maior, pois os seus parceiros já ganharam muito com o negócio que fizeram e todos temem que, se o desfizerem, abram a porta ao regresso da anterior maioria. A sombra de Passos Coelho paira sobre a geringonça como um espectro, o que faz dela o grande cimento de um casamento que, suspeito, só se romperá quando estivermos, de novo, entre a espada e a parede. Mais: se não houver nenhum milagre improvável, é a economia que aí nos conduzirá. A maldita economia, a maldita realidade.
Por tudo isso, por não avaliar o malabarista mas sim quem parece indiferente ao risco de conduzir o país, sempre a sorrir, em direcção a uma tempestade perfeita, a nota de António Costa só pode ser negativa. E com outlooknegativo, como diriam as agências de rating.

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