O génio de António Costa

Inês Teotónio Pereira
ionline 2015.02.28


O líder do PS cometeu o erro de palmatória para quem aposta tudo no embrulho e nada no conteúdo: falou. Para chineses, é certo, mas falou
Ninguém sabe bem o que António Costa pensa sobre o país, a Europa, a Grécia, o ajustamento, a política social, a vida, enfim. Mas não é por isso que António Costa deixa de ser genial. Aliás, o génio de António Costa é mesmo esse: apostar tudo na imagem e nada no conteúdo. Ora, este génio socialista lembra um dos meus filhos. Este meu filho não estuda nada mas tem a imagem de bom aluno. Não fala muito mas como tem um sorriso encantador é considerado muito bem-educado. É muito reservado e por isso todos o respeitam. No entanto, a verdade é que o miúdo só quer sossego e tem um sorriso cativante. Ponto. Ou seja, a imagem dele não diz o essencial sobre ele e só lhe tem trazido vantagens. 

O meu filho, no entanto, tem um problema que António Costa não tem: o rapaz é escrutinado regularmente. Ou seja, por mais que ele insista em manter-se resguardado, ninguém o deixa. O desgraçado está sempre a ser avaliado, a receber ordens dos pais e, quer queira quer não, é obrigado todos os dias a dar-se a conhecer ao mundo. O meu filho invejaria António Costa se soubesse quem é António Costa. É que António Costa faz o que lhe apetece não fazendo nada. E isto é o sonho de qualquer adolescente. Costa só tem de sorrir e de aguentar a pressão da revelação como se faz nos concursos para Miss Mundo, em que só no dia da eleição é que a vencedora se atreve a desvendar o que pensa sobre os problemas do planeta. Elas, tal como Costa, sabem que podem deitar tudo a perder se abrirem a boca antes da eleição. 

Costa tem a sorte de ninguém o chatear. Nem mais velhos, nem mais novos, nem jornalistas, nem comentadores. A imagem chega e o tempo é escasso para gastá-lo a falar de política, de economia e de coisas chatas. Ora, isto numa primeira análise parece-me injusto quer para os jovens como o meu filho quer para com todos os outros políticos e figuras públicas que não têm uma imagem enigmática. Por exemplo, Marcelo Rebelo de Sousa. É certo que o país nutre de uma certa ternura pelo Professor. Mas é essencialmente isso. Estamos a falar de um professor universitário, de um intelectual, de um político experiente, de um jornalista que fez história que tudo fez para alcançar o estatuto de génio. E no fim o que leva em troca? Tem graça. Foram anos e anos ao serviço da causa pública, da academia, para que tudo se resuma a uma palavra: graça. Injusto. E só por causa da imagem. Imaginemos que o Professor era mais recatado, que não falava tanto e que era contido em matéria de gesticulação. Sim, não tenho dúvidas que em vez da TVI o Professor estaria em Belém. 

Mas esta semana António Costa foi apanhado. O líder do PS cometeu o erro de palmatória para quem aposta tudo no embrulho e nada no conteúdo: falou. Para chineses, é certo, mas falou. Sem saber que estava a ser filmado disse que o país estava melhor do que há quatro anos. O país ficou perplexo: afinal Costa é simpatizante do Governo. O líder do PS numa tentativa de dar o dito por não dito, arranjou uma desculpa do tipo fumei mas não inalei dizendo que uma coisa é defender que as coisas correm bem e outra é dizer que o governo é bom - como se as coisas pudessem correr bem apesar dos governos. Enfim, não se percebeu se Costa queria mentir aos chineses ou se Costa acha mesmo que o Governo é bom. Tenho o mesmo em casa: cada vez que o meu filho é apanhado mete os pés pelas mãos. Só que ele não se espanta quando é apanhado, fica apenas envergonhado e hiberna novamente. António Costa cometeu o erro de dizer o que pensa arriscando o único activo que tem: a imagem. Moral da história: se o secretário-geral do PS continuar a falar arrisca-se a voltar a comentador; já o meu filho arrisca-se a chegar a líder do PS.

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