O silêncio da miséria

 Público 22/02/2015 - 06:07
Os socialistas que gritem por aí, António Costa não se compromete para não se desdizer.
António Costa é acusado de não dizer nada e, pior ainda, de não ter nada a dizer. O que o põe na melhor e mais velha tradição portuguesa, desde que por cá se inaugurou um regime representativo ou, pelo menos, qualquer coisa parecida, com um parlamento e alguns (poucos) direitos do cidadão.
Mesmo nesses tempos remotos de 1820, o grande objectivo político era impor ou criar a unidade das facções, que tinham aparecido em cena com a liberdade, de resto limitada e efémera, do novo regime. Não para garantir uma defesa sólida contra D. Miguel, mas porque não se via e, de facto, não havia razão para que não houvesse um único partido. Só existiam divisões tácticas e até essas sem grande consequência. A paralisia geral das forças revolucionárias, e a sua fraqueza, não permitiam mais do que divergências retóricas. E, às vezes, nem isso.
Depois da guerra civil de 1832-1834 (ou, mais precisamente, de 1826-1834), quando a Monarquia limitada da Carta Constitucional se instalou e o Infante foi expulso de Portugal, a pressão para que os políticos se reconciliassem e trabalhassem juntos para a salvação da Pátria nunca abrandou, nem sequer quando o radicalismo tomou conta de Lisboa e parte da província. A Constituição de 1838 copiava a Carta e a tendência centrípeta do país político levou rapidamente ao regresso da Carta e a outra tentativa de unificação política, o famoso "cabralismo", que durou o que podia durar com vários distúrbios militares e uma guerra civil pelo meio. Tudo acabou em 1850-51 com a Regeneração, ou seja, com a aliança dos que a si próprios se consideravam "empíricos" e sensatos.
Daí em diante a paz prevaleceu. Por um lado, Portugal estava na miséria. E, por outro, a dívida, já enorme, não autorizava veleidades de uma mudança séria. Os governos pagavam os juros, pagavam aos funcionários e pediam dinheiro em Inglaterra e França para "melhoramentos materiais" (estradas, linhas de comboio e portos). Fora isto, não faziam mais nada. As reformas eram caras e aumentavam sempre o número de funcionários. Os credores, que participavam nos "melhoramentos materiais", não financiavam o "progresso" social e político português, com que não ganhavam um tostão. Pelo contrário, já nessa altura queriam que o Estado reduzisse a despesa e, por exemplo, amalgamasse os municípios. "Gerir a dívida" consistia muito simplesmente em explicar aos credores o que Portugal aguentava, ou não aguentava, e em impor aos portugueses o que os credores mandavam. Neste aperto, a melhor saída era não abrir a boca e não mexer um dedo. António Costa percebeu a inevitabilidade desta receita. E não se tem dado mal. Os socialistas que gritem por aí, ele não se compromete para não se desdizer; e conservar a esperança de que um belo dia (de nevoeiro, com certeza) vai aliviar a nossa triste sorte.

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