Louçã, o “manifesto dos simpáticos” e (ainda) o Syriza

O grupo dos "simpáticos" passou estes quatro anos a negar a legitimidade política do governo eleito pela maioria dos portugueses e agora pede respeito pela legitimidade do governo eleito pelos gregos.

Francisco Louçã emergiu do retiro académico para nos dizer que o "governo da Grécia representa os portugueses". Um antigo político profissional, cujas propostas foram sempre rejeitadas pelos portugueses, ainda tem o descaramento de decidir quem nos representa. Parece que viu na vitória do Syriza uma oportunidade para se vingar do falhanço da sua carreira política. A afirmação mostra ainda a falta de cultura democrática no pensamento de Louçã. Como é óbvio, ele sabe que o governo grego não representa os portugueses no sentido democrático do termo. O Syriza partilha no entanto os seus valores e objectivos políticos. E isso para Louçã é o que conta. Ele prefere a sua ideologia às regras da democracia. Talvez isso explique por que razão nunca passou dos 10% dos votos em eleições nacionais.
Quanto ao "manifesto dos simpáticos", não deixa de ser curioso que respeitam mais a vontade dos eleitores gregos do que a vontade dos eleitores portugueses. Aquele grupo de "simpáticos" passou os últimos quatro anos a negar a legitimidade política de um governo eleito pela maioria dos portugueses, para agora apelar ao respeito pela legitimidade de um governo eleito pelos gregos. Mais uma vez, os interesses políticos são mais importantes do que as regras democráticas e até do que o patriotismo exigido a todos aqueles que exerceram funções públicas. Mais um "manifesto" que deveria envergonhar quem o assinou.
Gostaria ainda de deixar uma nota para dois dos assinantes, Bagão Félix e Pacheco Pereira, ambos antigos ou actuais membros (ou então muito próximos) dos dois partidos da coligação. Como é natural, têm todo o direito de criticar e atacar as políticas do governo. Em democracia, a liberdade individual é um princípio fundamental. Mas este manifesto constitui um acto de oposição política aos partidos, aos quais Bagão Félix e Pacheco Pereira devem o essencial da sua vida política. Esta falta de um mínimo de lealdade política demonstra a incapacidade de colocar os deveres institucionais antes dos interesses pessoais. Se todos se portassem desta maneira, seria impossível construir uma democracia minimamente estável.
Entretanto muita coisa mudou na política europeia desde a eleição do Syriza. O governo grego já deixou cair uma das principais promessas eleitorais, a redução da dívida pública. Na reunião do Euro grupo, na quarta-feira, o ministro das Finanças grego ouviu os seus colegas eslovaco, esloveno e maltês declararem que nos seus países o salário mínimo e as pensões são mais baixos do que na Grécia, mas mesmo assim esses países emprestaram dinheiro aos gregos. Não há entre a esquerda portuguesa quem se indigne com esta falta de solidariedade grega para com países mais pobres?
Como resultado das duas primeiras semanas desastrosas do novo governo, a Grécia está isolada. O seu governo não queria a reunião do Eurogrupo de quarta-feira e pretendia discutir a questão grega no Conselho Europeu de quinta e sexta. Os outros países responderam dizendo que o programa grego discute-se entre os ministros das Finanças e não entre os chefes de Governo. Foi o que aconteceu. Mais: este fim de semana o governo grego está a discutir com os representantes da "troika" a extensão do programa. Conseguiram uma pequena vitória: deixou de se usar o nome "troika", mas negoceiam com as mesmas instituições e a substância das negociações não se alterou. Mas até na mudança de nome há um ponto irónico. Quem começou a referir-se à Comissão Europeia, ao BCE e ao FMI como "troika" foram aqueles que se opuseram aos programas – como o Syriza na Grécia. Os governos e as instituições europeias nunca gostaram dessa designação. Por isso, alguns em Bruxelas usam agora, com evidente prazer, a designação, IFKAT: "Institutions Formerly Known As Troika".
Finalmente, o governo grego falhou no ponto central da sua estratégia: transformar o problema da Grécia num problema europeu. Provavelmente, ainda não perceberam. E se continuarem com esta estratégia o resultado final pode ser mesmo a saída da Grécia do Euro. Convinha que os portugueses que "querem ser gregos" percebessem devidamente o que está a acontecer.

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