É melhor ter menos deputados?

Alexandre Homem Cristo

22/9/2014, OBSERVADOR

A questão é se, para além de satisfazer as necessidades dos grandes partidos, há alguma vantagem nesta medida de redução do número de deputados. À primeira vista, parece que não.
O debate é antigo mas, desta vez, António José Seguro pô-lo na primeira página da ordem do dia: a diminuição do número de deputados (de 230 para 181) traz vantagens? Da perspectiva dos partidos, a questão é de resposta fácil: "sim", para os grandes (PSD e PS), e "não" para os restantes, que têm poucas cadeiras no parlamento e ainda teriam menos com a aprovação da medida. Mas o que importa realmente é reflectir sobre os efeitos desta em termos de qualidade da democracia. Nomeadamente, no que concerne à representação política. E, vista desse ângulo, a proposta de António José Seguro tem problemas técnicos, conceptuais e políticos.
1. Os técnicos são simples de explicar. De uma perspectiva comparada, olhando para a relação entre população e deputados, há duas abordagens possíveis. Se tivermos em conta apenas a câmara baixa (em muitos países existem duas câmaras), Portugal classifica-se mais ou menos a meio dos países europeus (gráfico 1).
Se contarmos com os deputados de ambas as câmaras, Portugal fica entre os países que menos deputados têm por habitante (gráfico 2).



Acresce que, tendo por referência os países cuja população é, em número, semelhante à portuguesa (Suécia, Hungria, Rep. Checa, Grécia e Bélgica), 181 deputados seria assumir o valor mais baixo de todos (se contarmos com todas as câmaras). Ou seja, também aqui se mantém difícil de argumentar que Portugal tem deputados a mais. Perante estes dados, seria interessante percebermos por que critério António José Seguro acha que temos deputados em excesso. Infelizmente, o texto da proposta não explica.
2. A justificação desse ponto de partida está ausente, mas é particularmente importante se tivermos em conta dois principais efeitos nefastos em termos de representação dos eleitores. O primeiro é que a diminuição do número de deputados faria cair os níveis de representatividade territorial – com menos deputados por habitante, as populações do interior do país perderiam alguns dos seus (poucos) representantes, pelo que ficariam prejudicadas.
O segundo é de ordem prática. É que, mesmo que num inovador sistema eleitoral se arranjasse forma de manter uma proporcionalidade perfeita, reduzir o número efectivo de deputados dos grupos parlamentares mais pequenos prejudica, por exemplo, a sua capacidade de trabalho nas comissões parlamentares. Hoje, existindo 12 comissões parlamentares (sem contar com as de inquérito), e dada a impossibilidade física de se estar em dois sítios ao mesmo tempo, o efeito de uma medida de redução do número de deputados é óbvio: diminui a capacidade dos partidos pequenos representarem os seus eleitores nos habituais trabalhos parlamentares.
3. O problema conceptual da proposta de Seguro nasce deste ponto. De facto, o líder socialista parece sugerir que uma resposta adequada ao "descontentamento dos portugueses em relação ao funcionamento em concreto da democracia" passa por diminuir a representatividade do interior do país e a influência dos partidos pequenos – isto é, diminuir a representação política de portugueses descontentes com o funcionamento da democracia. Não é apenas contraditório – é suicida. Além de que é dar força à ilusão de que o descontentamento popular com o funcionamento das instituições democráticas se resolve por decreto, quando o que está em causa são décadas de más experiências e de maus exemplos políticos.
4. Assim chegamos ao problema político, que resulta da soma dos anteriores. Vista no seu conjunto, a proposta de Seguro até pode parecer uma grande reforma. Mas, na verdade, o principal efeito da sua implementação seria a manutenção do status quo: fingir que resolve o problema do descrédito dos partidos políticos enquanto, na realidade, elimina a concorrência (partidos pequenos que, por exemplo, ficaram com os votos que o PS necessitava para ter uma grande vitória nas europeias). Da perspectiva do PS (e PSD) é uma solução útil: apaga os riscos de significativa fragmentação partidária e evita os custos de uma mudança no interior dos grandes partidos – tanto no modo de fazer política como de se relacionar com os cidadãos.
Ora, dito tudo isto, a questão é se, para além de satisfazer as necessidades dos partidos com maior representação parlamentar, há alguma vantagem para os portugueses nesta medida de redução do número de deputados. Sobretudo, tratando-se de um corte tão acentuado (49 deputados). E, à primeira vista, parece não haver.

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