Como se decapita o Estado Islâmico?

LEONÍDIO PAULO FERREIRA
DN2014.09.15

Se fosse um país, o Estado Islâmico (EI) perderia em horas a guerra com os Estados Unidos. Mas o território do tamanho de Portugal, a população de oito milhões e os 30 mil homens em armas são enganadores. E adivinha-se que apesar da nova estratégia de Obama, da solidariedade dos europeus e até da disponibilidade dos árabes para bombardearem os jihadistas, derrotá-los não será nada fácil.
Foi o avanço-relâmpago sobre Mossul em junho que revelou a força do EI. Não só conquistou a segunda cidade do Iraque como mostrou a fraqueza do exército, com soldados em fuga e a esquecer as armas. Sabia-se que era a reencarnação da Al-Qaeda no Iraque e que tinha aproveitado a guerra na Síria para mostrar serviço, atrair combatentes e alargar ambições. O mundo descobria uma eficaz máquina de guerra e de terror.
Suspeita-se que o génio militar venha de certos ex-oficiais do exército de Saddam. A invasão americana de 2003 deixou a minoria sunita encurralada, pois Bush filho mandou purgar as casernas e sanear a administração. O revanchismo dos xiitas, novos senhores de Bagdad, fez o resto. E aqueles que eram base de apoio do laico Saddam reconverteram-se em jihadistas.
Há aqui semelhanças com o que se passou no Afeganistão. Punidos após o 11 de Setembro pela aliança com a Al-Qaeda, os talibãs pareciam acabados quando o mullah Omar foi visto a fugir de moto, mas 13 anos depois controlam boa parte do país. A explicação é que a etnia pastune insiste em vê-los como bastião contra os líderes pró-América de Cabul. E distinguir entre talibãs e aldeãos é impossível.
Será esse, também, um dos desafios maiores no Iraque. Bombardear colunas de viaturas militares é fácil nesta era de drones. Garantir que Mossul fica livre de fanáticos do Estado Islâmico é outro assunto. Pode haver dez a 12 mil estrangeiros nas fileiras do grupo, até muitos europeus, mas a base da sua influência são os sunitas iraquianos, como Al-Baghdadi, o homem que proclamou já o califado e que não exclui reconquistar para o islão os Balcãs e a Península Ibérica.
Claro que o EI, tão radical que até a Al-Qaeda o critica, não é invencível. Uma América determinada, e incentivada até pelo Irão, é temível. Mas é preciso evitar que uma vitória seja ilusória. Isso significa prevenir que opções tão lógicas como armar os curdos não abram em breve outra frente, que o impacte na Síria não favoreça o regime de Assad ou que as concessões ao Irão não empurrem as monarquias do Golfo para novos apoios aos fundamentalistas sunitas. Outro risco é os emires sofrerem contestação interna por enviarem os seus caças bombardear árabes ao serviço de Obama.
Decapitar o EI implica, pois, mais do que lançar bombas. Só a estratégia militar não resultou com a Al-Qaeda e os talibãs. Não será agora que bastará, por muito que se deseje o fim de terroristas que perseguem cristãos e outras minorias, degolam jornalistas e até prometem invadir o Ocidente.

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