Um olhar tranquilo

João Carlos Espada Público, 22/07/2013
Foi realmente em Varsóvia, como sugere o nome destas crónicas, que passei a última semana, na qual decorreram as negociações entre PSD, PS e CDS. Ainda por cima, embora escreva este artigo já em Lisboa, faço-o antes da intervenção que o Presidente da República anunciou para a noite de domingo. O possível leitor deste artigo deve por isso saber de antemão que não encontrará aqui um excitante comentário de última hora.
Mas talvez a última hora nem sempre tenha uma palavra tranquila. E uma certa tranquilidade é seguramente necessária ao prazer da vida democrática. A tranquilidade de poder usufruir de modos de vida livres e variados, não centralmente comandados nem centralmente desenhados, é talvez o argumento mais poderoso a favor das democracias políticas e da economias de mercado.
Tentando apreciar tranquilamente as negociações interpartidárias da semana passada, creio que foi uma experiência muito positiva. Revelou acentuado sentido de responsabilidade por parte dos representantes dos três partidos constitucionais pluralistas. Revelou também disposição dialogante por parte da UGT e das organizações patronais. Essa disponibilidade para o compromisso distinguiu no passado, há quase 40 anos, o milagre português da transição à democracia - depois de uma prolongada ditadura reaccionária e de um processo revolucionário que ameaçou restaurar uma ditadura de sinal contrário.
Nunca será de mais recordar esse espírito de compromisso liberal, democrático e, no sentido inglês, conservador, que salvou a democracia portuguesa. Não será irrelevante que esse espírito de compromisso tenha reaparecido na semana passada.
Talvez não seja também irrelevante que esse espírito de compromisso tenha sido suscitado por um apelo do Presidente da República. Ao contrário das críticas e/ou apelos revolucionários, de esquerda e de direita, que lhe foram dirigidas, eu acho que o Presidente agiu como árbitro e moderador. Sem um árbitro e um moderador acima, mas não contra, os partidos políticos - seja ele um Presidente eleito ou um monarca constitucional - nenhuma sistema parlamentar mostrou alguma vez ser viável. Isso deve ser recordado entre nós, sobretudo no calor das paixões imediatas.
O elemento mais surpreendente da semana passada residiu, em meu entender, na radical ameaça de uma cisão no interior do Partido Socialista, se este chegasse a um "acordo com a direita". Que esta ameaça tenha partido de Mário Soares - um dos homens a quem mais devemos o milagre da nossa democracia contra a dupla ameaça revolucionária da esquerda e da direita - deixou-me perplexo. O respeito pessoal por Mário Soares impede-me de tecer comentários adicionais sobre esta matéria.
Posso, no entanto, compreender que António José Seguro tenha sentido necessidade de romper as negociações com PSD e CDS perante tão graves ameaças do líder histórico do seu partido. É humanamente compreensível, embora tenha um alto custo para o país: um acordo tripartido aumentaria significativamente a nossa capacidade negocial junto dos credores externos. Também não é certo que tenha sido a melhor decisão com vista a reforçar a sua liderança partidária.
Desfeito o acordo que parecia possível, e era certamente desejável, entre PSD, PS e CDS, resta-nos a existência indubitável de uma maioria parlamentar PSD-CDS - que saiu robustecida da vitória sobre a moção de censura da passada quinta-feira. Essa é uma sólida maioria parlamentar, saída de eleições livres, que suporta um Governo emanado dessa maioria. Esse Governo deve poder governar enquanto dispuser desse apoio parlamentar maioritário.
Mas esse mesmo Governo deve moderar a sua autoconfiança, para não dizer arrogância. Tem uma maioria parlamentar, mas revelou sérias debilidades no interior do próprio Governo. Os episódios lamentáveis de duas semanas atrás revelaram sérias tensões entre os dois partidos que compõem o Governo. Parece, por isso, legítimo que o Presidente da República possa ter de exigir garantias de bom comportamento futuro da coligação.
Além dessas garantias, talvez um conselho possa também ser sugerido à maioria: a de que preste atenção às tradições políticas, não apenas aos programas financeiros dirigistas, ou mesmo vanguardistas, emanados de Bruxelas. As tradições políticas que executaram reformas estruturais com sucesso nunca as fizeram somente, nem prioritariamente, em nome de uma engenharia financeira. Fizeram-no sempre em nome de e para as pessoas. Para as libertar de exorbitantes cargas fiscais e burocráticas, para permitir que elas pudessem livremente melhorar a sua condição, das suas famílias, das suas empresas e instituições civis. Sem esse horizonte de esperança, jamais um programa de ajustamento teve sucesso em democracia.
Professor universitário, IEP-UCP e Colégio da Europa, Varsóvia. Escreve à segunda-feira

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