Autoridade e razão

Pedro Braz Teixeira, ionline, 2013-07-31
Num país em que os argumentos de autoridade valem mais que os argumentos racionais, a asneira é rainha
Em Portugal existe uma estranha originalidade. Embora, como na generalidade dos países, os políticos, como um todo, sejam avaliados de forma claramente negativa, é entre eles que a comunicação social tende a recrutar os seus comentadores.
Antes de mais, convém esclarecer que isso não parece resultar de um enviesamento da comunicação social. Se os portugueses não atribuíssem valor ou interesse a esses comentários, é pouco provável que os órgãos de comunicação contratassem de forma tão esmagadora ex-primeiros ministros e ex-ministros.
A parte mais preocupante desta originalidade portuguesa, que surpreende qualquer analista estrangeiro, é que, demasiadas vezes, esses ex-governantes não deixaram uma obra louvável.
Ou seja, é como se o principal atributo destes políticos comentadores não fosse a qualidade mas a autoridade. A ocupação de lugares de chefia no passado parece conferir a estas pessoas uma autoridade duradoura, que se prolonga no tempo muito para além da posição exercida. O pior de tudo é que este estatuto de autoridade parece quase completamente independente da qualidade da chefia exercida. Mesmo os chefes mais incompetentes e corruptos preservam essa aura de autoridade quando, racionalmente, seria natural concluir que nunca deveriam ter ocupado aquele posto, por manifesta e gritante incapacidade.
Em França, os antigos ministros continuam a ter o título desse cargo, em termos vitalícios. Ou seja, noutros países os ex-governantes mantêm um certo estatuto, mas não são convidados para fazer comentário político.
Esta originalidade portuguesa revela uma outra coisa: a falta de apreço pela inteligência e pela qualidade intelectual, que não será alheia ao baixíssimo nível de escolaridade do nosso país, o pior dentro da UE.
O problema não reside na escassez de intelectuais capazes e disponíveis para reflectir e comentar a actualidade, mas antes na baixa valorização das suas reflexões.
Isto é também flagrante e infelizmente patente na pobreza franciscana do debate público em Portugal. Após a divulgação de um estudo sério, basta a oposição, sob a forma de uma ou duas baboseiras, proferidas por alguém com alguma autoridade, não mais do que um dirigente sindical, para aniquilar aquele estudo.
Esta é também uma das razões explicativas do actual desastre nacional. Um país em que basta uma idiotice de uma figura de autoridade, por menor que esta seja, quer a cretinice quer a autoridade, para destruir uma reflexão aprofundada, está condenado ao maior dos fracassos. Quando os argumentos de autoridade valem mais que os argumentos racionais, a asneira é rainha.
Isto conduz-nos a uma das mais graves debilidades da sociedade portuguesa: a excessiva tolerância à mediocridade, à incompetência e à desonestidade dos chefes. Numa sociedade mais intolerante aos maus chefes, estes são rapidamente afastados, preservando a qualidade das instituições. Em sociedades, como a portuguesa, em que a mediocridade no topo é escandalosamente permitida, há uma terrível contaminação do conjunto das instituições submetidas a chefes tão fracos.
Por seu turno, uma sociedade dominada por medíocres nos lugares de topo, sufocando a qualidade como uma ameaça terrível, que os pode pôr em causa e que é essencial suprimir, só pode ter os piores resultados colectivos.
Acrescentaria ainda que em Portugal há uma dupla desvalorização da razão, por um efeito antigo e outro mais recente. O efeito antigo é o da excessiva reverência à autoridade, referido atrás, que vai para além do mero "respeitinho". A influência mais recente diz respeito à "democratização" da opinião, em que a minha ignorância vale tanto como o conhecimento do outro.
Um dos sinais mais preocupantes é que temos assistido nas últimas décadas, em paralelo, a um aumento da formação dos portugueses e a uma degradação da qualidade intelectual do debate público. É certo que os blogues vieram trazer uma contribuição muito enriquecedora, mas cada vez menos a sua influência se estende a públicos mais alargados.
Director-executivo do Nova Finance Center, Nova School of Business and Economics

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