A propósito de "migalhas"

Pedro Lomba Público 15/01/2013

Os funcionários do FMI não conhecem, de facto, a realidade da política portuguesa. É preciso reconhecer que, na sua expedição pelo Estado, também não tiveram a pretensão de conhecer. Mas, mesmo que tivessem, falhariam em perceber as forças insondáveis que nos regem. Querem um exemplo? Ontem o "coordenador" do PS para a Saúde disse aos jornais que é preciso acabar com a ADSE. Estranho, vindo de quem vem. Serviu para o Jornal de Notícias pôr em título que "PS quer acabar com a ADSE para acabar com a injustiça", o que não deixava de ser uma novidade.
De imediato, a promessa do coordenador de que o PS, regressado ao poder acabaria com a ADSE foi desmentida por eminências do partido: Carlos Zorrinho e Vieira da Silva. O deputado José Lello lembrou que os funcionários públicos são uma quota importante do eleitorado socialista. Mas o antigo ministro Correia de Campos afirmou que a ADSE é um "mau" sistema que precisa de ser reformado. O coordenador acabou o dia esclarecendo que dissera tudo "em nome pessoal", nunca em representação do PS, que continuaria, como sempre, a ser o partido do funcionalismo público. Percebeu-se assim que, para o PS, a ADSE pode ser extinta, como também pode ser conservada. Agora, depois, não se sabe quando.
PSD e CDS viram na ocasião uma oportunidade para lançar alguns dardos. Falou o ministro Relvas, bem regressado do areal de Copacabana. O PSD acusou os socialistas de não terem "ideias claras", de "estarem descoordenados", de "não estarem prontos para governar". Mas quando o secretário de Estado Fernando Leal informou que o Governo tinha "ideias concretas" sobre o tema, logo acrescentou que não as podia já revelar. Ficámos portanto exactamente na mesma ignorância. Não sabemos quais as ideias do PS, mas também não conhecemos as do Governo. Se o PS não sabe bem o que pensar, o Governo não sabe bem o que dizer. Mas, espera-se, algum encontro de almas sairá disto.
A ADSE, criada por Salazar para aproximar a assistência aos funcionários públicos do regime de benefícios dos privados, tornou-se uma ilha cada vez mais pesada no OE. Foram "migalhas" para os funcionários públicos, notou Correia de Campos, partidário da sua extinção. Mas, politicamente, é preciso dizer que não foram apenas migalhas. Desde a época em que nasceu, a ADSE foi usada para disciplinar eleitoralmente a função pública. Serviu ainda de modelo e justificação para o aparecimento de variadíssimos e dispersos subsistemas que, dos ministérios às empresas públicas, fragmentaram por completo o sistema de Saúde do Estado. Se uns tinham, por que não teriam os outros? A generalidade da lei ficou uma absoluta miragem. Isto, é verdade, começou a ser revisto nos primeiros anos do Governo Sócrates, que extinguiu alguns deles, tendo à altura merecido aplauso. Na ADSE, todavia, ninguém tocou. Notam os homens do FMI que a existência de diferentes subsistemas para o mesmo resultado (a saúde da população) produz ineficiências, mesmo que grupos diferentes tenham necessidades diferentes. Pensavam eles ingenuamente que os mandarins da República reconheceriam o que se tornou evidente: a extraordinária dispersão dos gastos. Não existe hoje qualquer razão que explique a existência de subsistemas especiais de saúde pública, se excluirmos talvez as polícias e as Forças Armadas (e mesmo estes em condições limitadas). Mas, enquanto a ADSE for útil para os nossos políticos poderem arregimentar camadas inteiras da população, não haverá hipótese de reforma. Era preciso que pensassem de outra maneira.

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